UOL
Dama do Carnaval do Recife, Elba Ramalho encerrou a folia no Marco
Zero, nesta terça-feira (04/03), em um show celebrando seus 35 anos de
carreira.
O momento, segundo a cantora, é especial, marcado pela liberdade
artística. "Não preciso
mais me preocupar em tocar no Faustão", diz, sem esconder que já pensa
no fatídico dia da aposentadoria.
"Há muito desgaste".
Apesar da agenda exaustiva, com dois shows diários, Elba recebeu a
reportagem do UOL em seu quarto de hotel no Recife, para
uma entrevista exclusiva.
O convite partiu dela mesma, ignorando a recusa de sua assessoria,
após um encontro casual no saguão.
Dona de simpatia e simplicidade raras para uma estrela de seu
porte, ela falou, entre outros assuntos, sobre a ruptura com as multinacionais,
o primeiro Grammy que veio logo em seguida, e de como era feliz antes da fama e
da vida religiosa. "Vou à
missa todos os dias".
Qual a sensação de comemorar 35 anos de carreira?
Elba Ramalho - A
gente se torna um patrimônio tombado. É importante comemorar porque é uma
história longa de estrada incansável. Até comentei isso com o Lenine, que são
muitos anos fazendo e trabalhando, Carnaval, show, gravações de disco,
praticamente um por ano, foi uma vida muito intensa dedicada a isso, quando eu
olho para trás eu penso como fui corajosa de fazer tanta coisa.
Essa comemoração anima você a se lançar em novos trabalhos?
Elba - Há um
estímulo, talvez aproveitando a data faça um trabalho triplicado. Tenho um
monte de disco para gravar, se conseguir ficarei satisfeita. Mas não tenho mais
ansiedade do mercado, sou uma artista solicitada, tenho minha competência e
história, todos sabem quem eu sou, e isso é ótimo, tenho conseguido o meu
espaço e minha identidade para deixar a minha marca, então eu vou aproveitar
para me divertir.
E quais as novidades para esse ano?
Elba - Vou gravar
um disco de frevo, um de carreira com canções inéditas de parceiros, outro com
a orquestra jovem do rio, e tem ainda um quarto convite, que vou ver se dá
tempo, com Duani e Mariana Aydar, que é de retomar um trabalho que eu faria com
o Dominguinhos.
Que trabalho é esse?
Elba - É um disco
que faria com Dominguinhos, resgatando mais de 30 canções que cantei ao longo
da minha história musical com ele, e outras que ficaram perdidas nos discos,
que não tiveram a sorte de ir para uma novela e se tornarem mais conhecidas,
como "Aconchego".
Você acha que esse é seu momento mais independente em relação ao
mercado? Hoje você pode fazer o que quiser e dez anos atrás não podia?
Elba - Quando o
mercado começou a mudar, e a indústria a se balançar, eu já tinha meu estúdio
em casa, meu selo e já estava atinando para essa independência. O disco
"Qual o assunto que mais me interessa" foi o que marcou o meu
rompimento com as multinacionais. Ganhei o primeiro Grammy latino com esse
disco, fiz uma turnê de 40 shows pelo Brasil inteiro. Antigamente ao lançar uma
música ficava preocupada se ia tocar no São João, ou se ia ao programa do
Faustão. Hoje não me preocupo mais se vou a programa ou se vai tocar nas
rádios. Para um artista é interessante essa autonomia.
Você se sente realizada como artista?
Elba - Muito.
Minha agenda não para, faço até 18 shows sem ter música no rádio e sem ter que
ir ao programa do Faustão. Consegui minha autonomia ao mesmo que me divirto.
Quando digo que vou gravar quatro discos, meu empresário deve pensar que estou
louca, mas é isso, faço o que eu quero, por exemplo, a orquestra jovem do Rio
me convidou para gravar um disco, eu topei. Preparo o disco, vou lá e canto.
Não sou funcionário público.
Você foi a primeira a gravar músicas do Lenine, como foi o
encontro com ele?
Elba - Lenine é
um dos artistas que mais admiro, acho genial. É um cara com o qual convivo há
mais de 30 anos, a gente morava cada um num lugar maluco em Santa Teresa, eu
era atriz. Falamos sobre isso, com a gente era feliz antes da fama, mesmo sem
dinheiro. Fazíamos saraus na casa de Bráulio Tavares (escritor paraibano), que
foi um de meus esteios, somos da mesma terra, quando nos conhecemos tinha 14
anos, ele 15, ele já era meu ídolo. Éramos jovens cabeludos em Campina Grande,
Bráulio era o cara mais culto da cidade, é até hoje, aliás. Eu era a única
mulher de um grupo de pretensos intelectuais. Não podia ser burra, então com 14
anos lia livros de Ernest Hemingway, Enzra Pound, Carlos Castaneda e outros.
Minha adolescência foi muito divertida nesse sentido, minha vida era no teatro
e no barzinho tocando violão.
Você pensa em parar?
Elba - Penso.
Tenho algumas questões delicadas. Vivo uma vida muito espiritual, sou
religiosa, rezo muito, vou à missa todos os dias. Vivo pra família, para o
trabalho. Penso que há tanto desgaste, mas sei lá, não quero falar disso, se
chegar essa hora, e tiver que acontecer, vou falar que será meu ultimo ano de
trabalho, acho que o mundo está mudando com muita rapidez e tudo será bem
diferente nos próximos dez anos, nos próximos vinte então nem se fala. Eu tenho
que começar a pensar que já estou subindo. Sei que esse mundo é passageiro. Uma
hora toda essa casca aqui terá que ser deixada e eu terei que transcender como
espirito.
E o que você acha desse título que recebeu aqui no Recife, de dama
do Carnaval?
Elba - Carnaval é
a festa do cão, do pecado (diz, rindo). Não sou dama de nada. Acho que sou mais
madrinha do Carnaval. Na verdade sou uma artista ligada a Pernambuco, estado
que é generoso demais comigo. No ano, mais de 70% de meus shows são aqui. Já
passei anos inteiros trabalhando em Pernambuco, de São João a São João. Estou
viva e tenho um museu em minha homenagem em Caruaru, ao lado do museu de
Gonzaga.
(UOL)
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