A ENTREVISTA DA SEMANA É COM YURY FERREIRA: UM JOVEM POLICIAL MILITAR EM CAMPINA GRANDE DEDICADO AO RESGATE DE PESSOAS NA SARJETA POR CAUSA DAS DROGAS. “EU NÃO AGUENTAVA MAIS OUVIR OS GRITOS DAS PESSOAS PEDINDO SOCORRO”

 

O soldado Yury Ferreira, 26 anos, é formado em Licenciatura em Computação pela UEPB.

Ele é casado e ainda não tem filhos, mas adotou uma legião “só por consideração” que você só vai saber que tipo de consideração é essa se ler a entrevista.

O policial, do 2ºBPM, faz parte da instituição Associação Casa Nova Redenção cuja finalidade é assistir pessoas e famílias que se deixaram afetar pelo uso abusivo de drogas.

Entre os colegas de farda, Yury é um exemplo de mão estendida para resgatar a dignidade das pessoas.

Você o conhece? Não precisa.

O trabalho dele aparece sem que você veja.

O jovem, que ingressou na Polícia Militar em março de 2007, confessa que “não tem muitas pretensões”.

“Cauteloso e monossilábico” em algumas respostas, ele é mais um entrevistado da série “A ENTREVISTA DA SEMANA” do renatodiniz.com

VOCÊ TINHA ALGUM MOTIVO ESPECIAL PARA QUERER SER POLICIAL MILITAR?

Foi por coincidência. Na época eu procurava pelo primeiro emprego, daí veio uma sugestão de um colega do SENAI (hoje também policial militar) sobre o concurso da PMPB. Fiz, passei, e estou aqui até hoje. Não escolhi a carreira militar, ela me escolheu. Não tenho de que reclamar, só cresci com essa experiência. Não sei até quando ficarei nela.

QUE TIPO DE TAREFA VOCÊ REALIZA NO BATALHÃO? PARTICIPA DE ALGUMA ATIVIDADE ESPECÍFICA?

Já participei de diversas atividades: policiamento ostensivo no Centro, guarda de presídio, policiamento de trânsito (CPTRAN), destacamento, DET (Divisão de Educação de Trânsito), COPOM e CIOP. Atualmente estou trabalhando no CPR1 como auxiliar administrativo (tesouraria, apoio administrativo).

O QUE É A INSTITUIÇÃO “ASSOCIAÇÃO CASA NOVA REDENÇÃO”?

A Associação Casa Nova Redenção (ACNR) surgiu em meados de julho de 2011, criada por um grupo de pessoas da comunidade, inconformado com a situação e que acreditava não ser apenas dever do Estado, mas de todos, lutar contra a realidade imposta pelas drogas à família brasileira. Família (minha, por exemplo) e de muitos outros que compõem o grupo. Cientes de que os problemas advindos do uso abusivo de álcool ou drogas afetam a muitos (pra não dizer todos) e da escassez de projetos ao estilo, surgiu a ideia de iniciar o trabalho. Trata-se de uma associação que tem como finalidade: assistir pessoas e famílias que se deixaram afetar pelo uso abusivo de drogas; resgatar os valores da família; promover a dignidade do ser humano; desenvolver ações sociais para e com a comunidade; oferecer cursos e palestras com intuito de capacitar essas pessoas; reinserção social e profissional; auxiliar no trabalho da segurança pública e preservar a vida.

O programa hoje é composto de reuniões semanais (segundas, quartas e sextas às 19h00), reuniões em alguns centros de reabilitação (aos sábados), apoio a moradia (02 apartamentos disponíveis na sede), mini-fábrica para produção de pré-moldados, espaço para profissionalização dos indivíduos, ações sociais, cinema na rua, cursos e palestras.

Localiza-se na Rua Jesuíno Alves Correia N° 14 – Cruzeiro.

Sítio Capim Grande – Futuro Complexo de Reabilitação.

ESTATISTICAMENTE OS RESULTADOS SÃO POSITIVOS?

Diria que pra falarmos em estatística num trabalho como esse, precisaríamos de valores comparativos ou padrões do que pode ser positivo ou negativo. Mas baseado no que vemos por aí afora, os números são razoáveis. Trata-se de um trabalho muito mais para análise de dados qualitativos do que quantitativos.

COMO É FEITO O RESGATE DESSES USUÁRIOS?  QUEM SÃO ESSAS PESSOAS? VOCÊS SAEM “CATANDO” NAS RUAS?

O trabalho é realizado de várias formas, pessoas que já conhecíamos nessa situação, visitas domiciliares, famílias que nos procuram, igrejas que nos enviam e como você mesmo disse “catando” nos momentos de ações sociais na rua. O nível social ainda, em sua maioria, é de classe baixa, mas já recebemos de todas as classes. O grande entrave é que as famílias de classes melhores demoram pra assumir o problema, daí maquiando a grande quantidade de usuários nessas famílias.

COMO COMEÇOU SUA DEDICAÇÃO A ESSE TRABALHO?

Uma família vitimada pelas drogas, irmão, avôs, tios, tia, primos e amigos todos envolvidos nesse contexto. Uma infância e juventude dentro de uma comunidade assolada pelas drogas (Rosa Cruz). E por último uma experiência de trabalhar no CIOP por mais de dois anos e atender muitas pessoas gritando por socorro, em sua maioria pessoas de idade. Isso não começa assim do nada, foi sendo construído. O esboço do projeto surge em determinado dia em que me encontrava de serviço no antigo COPOM do 2º BPM.  Algo divino, um chamado de Deus.

QUE EXEMPLOS QUE LHE DEIXARAM HORRORIZADOS E EXEMPLOS DE SUPERAÇÃO DESSAS PESSOAS? 

Um relato que me deixou horrorizado foi de um rapaz que até os tijolos de sua casa tirou para vender e comprar drogas; outro muito forte é de um jovem que passou a madrugada todinha quebrando o concreto de uma viga para retirar o ferro de dentro e vender; outro que tirou a porta da frente de sua casa para trocar por drogas; Exemplos de superação: temos um alcoolista que vivia debaixo do viaduto em Campina Grande, hoje é um dos voluntários no trabalho a mais de ano; Um jovem muito conhecido do bairro da liberdade, hoje restaurado e construindo sonhos; Outro repatriado de JP que ficou quase 10 anos no Roger preso e hoje é padeiro e reconstruiu sua vida e família por aqui em Campina Grande.

A IMAGEM DA POLÍCIA MILITAR É TIDA COMO REPRESSORA. COMO VOCÊ SE ENVOLVEU DIRETAMENTE NUMA LUTA DE “RETIRAR” CRIANÇAS, ADOLESCENTES, JOVENS E ADULTOS DAS DROGAS?

Eu já era envolvido nisso antes mesmo de entrar na polícia. O processo começou quando fui retirado, se é que posso dizer assim, desse mundo de bebedeiras, prostituição e drogas. Quando conheci Jesus Cristo, o melhor caminho!

QUAL A SENSAÇÃO DO DEVER CUMPRIDO, DA VITÓRIA?

Indescritível. Você mesmo já respondeu e com a melhor resposta que poderíamos ter: dever cumprido. Como cristão é nosso dever ajudar os mais necessitados. Não que não sejamos necessitados também, entende?

MUITOS QUE RECEBERAM APOIO DO PROGRAMA VOLTARAM À SARJETA E FORAM ASSASSINADOS?

Alguns.

VOCÊ TEM PESSOAS PRÓXIMAS (FAMILIARES OU AMIGOS) DIRETAMENTE DESTRUÍDAS POR CAUSA DA DROGA?

Sim, várias.

ENTRE OS COLEGAS DE FARDA, JÁ HOUVE QUEM CHEGASSE PARA VOCÊ E DISSESSE PALAVRAS DE DESÂNIMO SOBRE O SEU TRABALHO? ALGUÉM QUE OBSERVASSE SUA LUTA COMO UTOPIA?

Graças a Deus não, pelo contrário só de ânimo, inclusive alguns até apoiam como podem. Eles são sociedade também e desejam ver as coisas melhores. Essa história de trabalhos sociais se depara muito com essa ideia de utopia. Mas independente disso, temos que lutar. Sem eles as coisas estariam bem piores, acredito.

VOCÊ JÁ TEVE QUE ATIRAR EM ALGUÉM?

Sim.

NA SUA INFÂNCIA E JUVENTUDE, A DROGA JÁ ERA UM “PROBLEMÃO”?

Sempre foi, só que na realidade em outras modalidades (cigarro, maconha e inalantes).

OS PROGRAMAS DE “RESGATE/REABILITAÇÃO” DE USUÁRIOS FUNCIONAM EM CAMPINA GRANDE? VOCÊ VER “FIRMEZA” EM OUTRAS INSTITUIÇÕES OU PROGRAMAS DE REABILITAÇÃO? EFETIVAMENTE, AS POLÍTICAS PÚBLICAS FUNCIONAM PARA RESGATAR AS VÍTIMAS DAS DROGAS?

Funcionam sim, estão aí pra comprovar isso, a Casa Nova Redenção, CARE, Homens de Cristo, Fazenda do Sol, Resgate, Refúgio e os grupos anônimos (AA, NA). Acredito sim. As políticas públicas ainda estão um tanto que distantes da realidade dessas pessoas. Quem na maioria das vezes, realmente ajuda, quase nunca é contemplado por essas políticas. Precisamos fortalecer mais esses trabalhos, divulgar mais, isso só será possível com a ajuda de todos.

SEUS COLEGAS DE FARDA SABEM A DIFERENÇA ENTRE UM USUÁRIO E UM TRAFICANTE?

Com certeza.

UM POLICIAL CORRUPTO É UMA “MÃO AMIGA DO TRÁFICO”.

Depende do que fala, do nível de corrupção. Mas, se fala do policial ou da pessoa que colabora com o tráfico, este é sim amigo dele (do tráfico). Comprando um simples objeto de origem desconhecida por um preço muito abaixo do normal, é um simples exemplo.

TRAFICANTE BOM É TRAFICANTE MORTO?

Não!

O CORONEL LÍVIO (COMANDANTE DO 2ºBPM) DISSE QUE “NÃO TEM PENA ALGUMA DE BANDIDO” E SE ENVERGONHA DAS AÇÕES DELITUOSAS DE POLICIAIS MILITARES. VOCÊ SEGUE A MESMA LINHA?

Concordo com o que disse o Cel. Lívio na entrevista, defendo a vida e prego a paz. Tenho pena dos rumos que pode tomar nosso país, a vida hoje está banalizada, as pessoas insensíveis, cada um só quer olhar para o seu umbigo, se não é com elas o resto que se exploda. Aonde vamos parar com tudo isso? Não me envergonho das ações delituosas de policiais militares, pois me envergonharia se fossem ações minhas. Delitos, corrupção, pessoas mal intencionadas tem em todos os setores, repartições e lugares do mundo. Convido você a fazer a diferença!