segunda-feira, 24 de outubro de 2016

HOMEM É SOLTO APÓS FICAR ANOS ACORRENTADO PELA FAMÍLIA

Um homem de 36 anos foi resgatado pela Polícia Civil, na última quinta-feira, após passar anos preso, acorrentado, em uma edícula com quarto e banheiro no Jardim Leblon, no Bairro dos Pimentas, em Guarulhos (Grande SP), segundo vizinhos da casa.
A vítima teria sofrido maus-tratos por quase 20 anos, dizem testemunhas.

A polícia confirmou que investiga cárcere privado e outros crimes, mas não forneceu mais detalhes.
O pai e a madrasta da vítima, além do filho dela, não foram detidos.
Eles se mudaram da casa no último sábado.
Segundo vizinhos, a vítima é Armando Bezerra de Andrade.
Eles contam que ele estudava na escola do bairro e tinha amigos, mas "sumiu" quando tinha 16 ou 17 anos de idade.
À época, já apanhava da madrasta até na rua, dizem moradores.
Testemunhas contam que policiais civis foram até a região por volta das 07h00 da quinta-feira devido a uma suspeita de tráfico de drogas na vizinhança e encontraram o cativeiro por acaso.
Os vizinhos dizem que, após buscas pelos traficantes, policiais entraram na casa da família (não tinha ninguém naquele momento).
Depois, foram até a edícula (casa pequena ou quartinho nos fundos da casa principal), onde acharam Andrade.
Os vizinhos contam que o homem estava acorrentado a uma cama e com a barba grande (na altura do umbigo), repleta de fezes.
Andrade ficaria na edícula em cama com colchão, sem lençóis ou cobertores, parte do tempo preso a correntes.
Vizinhos suspeitam de que a madrasta, enfermeira, doparia o enteado para acalmá-lo.
O local não tinha mais móveis ou eletrônicos.
O forte cheiro de urina e de fezes que saía da edícula ainda podia ser sentido ontem à tarde – o local estava com janela e portas abertas.
O banheiro tinha fezes espalhadas, dizem moradores.
Questionada sobre a ação policial e se a família foi presa, a Secretaria da Segurança Pública disse que apura o caso.
ROCK E KARATÊ
O jardineiro João Batista, 58 anos, conta que viu Armando Bezerra de Andrade e sua família chegando à vizinhança há cerca de 30 anos.
O menino, muito educado, segundo ele, tinha por volta de 6 anos, e era mais sociável que o filho da madrasta, que é mais novo.
"O Armandinho cresceu e vivia sentado aqui na frente da minha casa conversando comigo e com todos os vizinhos. Era bom menino, mesmo quando a madrasta batia nele na frente de todos", diz.
Um dia, conta Batista, quando Andrade era adolescente, sumiu. Ao perguntar dele, o pai dizia que tinha ido para o interior, depois, para Pernambuco. "Sempre uma história diferente. Mas dizia que ele estava bem."
Andrade adorava rock, tinha uma banda e tocava guitarra, segundo o amigo de infância Nelson de Jesus, 30 anos, vendedor. "Ele amava Nirvana e Charlie Brown Júnior. Nós empinávamos pipa juntos. Foi a última vez que o vi", lembra Jesus.
Esportes eram outra paixão de Andrade.
Ele jogava futebol, taco e lutava karatê.
Os amigos forçam a memória para tentar lembrar o time de futebol favorito dele.
"Acho que era São Paulo."
A auxiliar de logística Andreia dos Santos, 33 anos, diz que ele era bom em grafitar e fazia caricaturas dos amigos, e às vezes até os trabalhos de educação artística.
"Era muito inteligente."
MUDANÇA
As palavras "Justiça", "Três safados" e "#Armandinho" foram pichadas por vizinhos no muro da casa de Armando, no Jardim Leblon, em Guarulhos.
Eles dizem que ficaram revoltados com o caso de cárcere privado.
Um caminhão de mudanças encostou diante da casa da família anteontem, dois dias após Armando Bezerra de Andrade ter sido libertado pela Polícia Civil.
Vizinhos dizem que tentaram impedi-los de sair, mas não conseguiram.
A Polícia Militar confirmou que recebeu diversos chamados nesse dia, daquela rua.
Um deles era dos parentes de Andrade dizendo que estavam sendo hostilizados por outros moradores enquanto faziam a mudança, que foi acompanhada pela PM.
Moradores reclamam que a família não foi presa.
Vizinhos dizem que a família minimizou o caso enquanto "fugia". "Para que tudo isso?", teria perguntado o filho da madrasta, dizem moradores, ao ver a multidão que os cercava.
Sem acreditar no que aconteceu, um dos amigos de Andrade diz que quer justiça e a prisão dos três.
"Fazíamos churrasco a poucos metros de onde ele estava. Nunca ouvi um pio dele", disse o vizinho, que pediu anonimato. "Creio que a madrasta, que era enfermeira, o mantinha dopado. É muita crueldade, desumano", conclui.
(Tatiana Cavalcanti/AGORA SÃO PAULO)

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