Um homem de 36 anos foi resgatado pela
Polícia Civil, na última quinta-feira, após passar anos preso, acorrentado, em
uma edícula com quarto e banheiro no Jardim Leblon, no Bairro dos Pimentas, em
Guarulhos (Grande SP), segundo vizinhos da casa.
A vítima teria sofrido maus-tratos por
quase 20 anos, dizem testemunhas.
A polícia confirmou que investiga
cárcere privado e outros crimes, mas não forneceu mais detalhes.
O pai e a madrasta da vítima, além do
filho dela, não foram detidos.
Eles se mudaram da casa no último
sábado.
Segundo vizinhos, a vítima é Armando
Bezerra de Andrade.
Eles contam que ele estudava na escola
do bairro e tinha amigos, mas "sumiu" quando tinha 16 ou 17 anos de
idade.
À época, já apanhava da madrasta até na
rua, dizem moradores.
Testemunhas contam que policiais civis
foram até a região por volta das 07h00 da quinta-feira devido a uma suspeita de
tráfico de drogas na vizinhança e encontraram o cativeiro por acaso.
Os vizinhos dizem que, após buscas pelos
traficantes, policiais entraram na casa da família (não tinha ninguém naquele
momento).
Depois, foram até a edícula (casa
pequena ou quartinho nos fundos da casa principal), onde acharam
Andrade.
Os vizinhos contam que o homem estava
acorrentado a uma cama e com a barba grande (na altura do umbigo), repleta de
fezes.
Andrade ficaria na edícula em cama com
colchão, sem lençóis ou cobertores, parte do tempo preso a correntes.
Vizinhos suspeitam de que a madrasta,
enfermeira, doparia o enteado para acalmá-lo.
O local não tinha mais móveis ou
eletrônicos.
O forte cheiro de urina e de fezes que
saía da edícula ainda podia ser sentido ontem à tarde – o local estava com
janela e portas abertas.
O banheiro tinha fezes espalhadas, dizem
moradores.
Questionada sobre a ação policial e se a
família foi presa, a Secretaria da Segurança Pública disse que apura o caso.
ROCK
E KARATÊ
O jardineiro João Batista, 58 anos,
conta que viu Armando Bezerra de Andrade e sua família chegando à vizinhança há
cerca de 30 anos.
O menino, muito educado, segundo ele,
tinha por volta de 6 anos, e era mais sociável que o filho da madrasta, que é
mais novo.
"O Armandinho cresceu e vivia
sentado aqui na frente da minha casa conversando comigo e com todos os
vizinhos. Era bom menino, mesmo quando a madrasta batia nele na frente de
todos",
diz.
Um dia, conta Batista, quando Andrade
era adolescente, sumiu. Ao perguntar dele, o pai dizia que tinha ido para o
interior, depois, para Pernambuco. "Sempre uma história diferente. Mas
dizia que ele estava bem."
Andrade adorava rock, tinha uma banda e
tocava guitarra, segundo o amigo de infância Nelson de Jesus, 30 anos,
vendedor. "Ele amava Nirvana e Charlie Brown Júnior. Nós empinávamos pipa
juntos. Foi a última vez que o vi", lembra Jesus.
Esportes eram outra paixão de Andrade.
Ele jogava futebol, taco e lutava
karatê.
Os amigos forçam a memória para tentar
lembrar o time de futebol favorito dele.
"Acho que era São Paulo."
A auxiliar de logística Andreia dos
Santos, 33 anos, diz que ele era bom em grafitar e fazia caricaturas dos
amigos, e às vezes até os trabalhos de educação artística.
"Era muito inteligente."
MUDANÇA
As palavras "Justiça",
"Três safados" e "#Armandinho" foram pichadas por vizinhos
no muro da casa de Armando, no Jardim Leblon, em Guarulhos.
Eles dizem que ficaram revoltados com o
caso de cárcere privado.
Um caminhão de mudanças encostou diante
da casa da família anteontem, dois dias após Armando Bezerra de Andrade ter
sido libertado pela Polícia Civil.
Vizinhos dizem que tentaram impedi-los
de sair, mas não conseguiram.
A Polícia Militar confirmou que recebeu
diversos chamados nesse dia, daquela rua.
Um deles era dos parentes de Andrade
dizendo que estavam sendo hostilizados por outros moradores enquanto faziam a
mudança, que foi acompanhada pela PM.
Moradores reclamam que a família não foi
presa.
Vizinhos dizem que a família minimizou o
caso enquanto "fugia". "Para que tudo isso?",
teria perguntado o filho da madrasta, dizem moradores, ao ver a multidão que os
cercava.
Sem acreditar no que aconteceu, um dos
amigos de Andrade diz que quer justiça e a prisão dos três.
"Fazíamos churrasco a poucos metros
de onde ele estava. Nunca ouvi um pio dele", disse o
vizinho, que pediu anonimato. "Creio que a madrasta, que era
enfermeira, o mantinha dopado. É muita crueldade, desumano",
conclui.
(Tatiana Cavalcanti/AGORA SÃO PAULO)
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