Por Ricardo Rigel
Tente
visualizar a cena: dentro de uma viatura da Polícia Militar, uma
mulher que acaba de ser vítima de um estupro coletivo, cometido por dez
traficantes, se espreme no canto da janela do banco traseiro. Ao seu lado, dois
de seus algozes. Um deles, em determinado momento, alisa a sua perna e cochicha
em seu ouvido: “Fica tranquilinha. Vai
dar tudo certo”.
A frase, dita em tom ameaçador, foi
destinada à vendedora de 34 anos que, há quatro anos, é vítima de sucessivos
estupros cometidos por traficantes da sua região.
O último abuso aconteceu na madrugada de
segunda-feira (17/10), no bairro Lagoinha, em São Gonçalo/RJ, mas até agora ela
continua desamparada pelo poder público.
Após a decisão dos policiais militares
de colocar vítima e acusados do crime lado a lado, a mulher contou ter passado
por um constrangimento também na delegacia: o policial responsável pelo
registro usou, na ocorrência, termos obscenos para descrever a agressão (veja
trechos do depoimento abaixo).
Ontem (21), após a repercussão do caso,
a Chefia da Polícia Civil determinou a redistribuição do inquérito policial à
Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de São Gonçalo para
prosseguir nas investigações.
“Estou me sentindo completamente
desamparada. Eu tinha medo de que justamente isso pudesse acontecer se eu
registrasse o caso. Minha vida está devastada. Eu e minhas filhas não podemos
ir para casa. As amigas das minhas filhas foram a minha casa e encontraram tudo
revirado. Tentaram levar até a minha máquina de lavar”.
POLICIAL
NÃO VIU PROBLEMA
O termo de declaração da vítima, colhido
pelo comissário Jorge Luiz Prudêncio na 74ª DP (Alcântara), traz expressões
como “boquete
triplo”, “não usaram camisinha, no pelo” e até a frase “só
gritou porque empurraram um galho de árvore em sua bunda”. Procurado
pelo EXTRA, o policial não viu problemas na linguagem utilizada no documento.
“Foi tudo feito normalmente. Os termos
foi ela que falou. Terminou e eu perguntei: ‘É isso?’, e ela assinou. Não houve
constrangimento nenhum”, garantiu Jorge.
Mesmo assim, a Polícia Civil informou
que foi aberto um procedimento para apurar eventual existência de infração
disciplinar por parte do agente.
“ME
SENTI MUITO ABANDONADA”
“Nunca procurei a polícia, porque eu
tenho muito medo do tráfico. Queria preservar as minhas filhas. Não queria que
isso chegasse aonde chegou. Além disso, não tinha para onde ir. Não é fácil.
Durante o depoimento, fiquei muito desconcertada. Tinha acabado de acontecer
tudo aquilo comigo. Estava sentindo dor e ainda muito abalada. Depois, fui para
casa e me senti muito abandonada. Quinta-feira (20), me senti péssima. Um
policial me ligou e disse que eu não tinha falado tudo no depoimento e que eu
deveria voltar lá. Ele me deixou assustada. Só quero que minhas filhas possam
dormir tranquilas em suas camas. Quero acabar com esse pesadelo”.
O
CASO
Nos últimos quatro anos, a vendedora ,
de 34 anos, moradora do bairro Lagoinha, em São Gonçalo, vem sendo vítima de
estupros coletivos desde que um ex-namorado, espalhou entre a comunidade, um
vídeo íntimo deles filmado sem o consentimento dela.
Depois do episódio, traficantes do
bairro, passaram a violentá-la. Já foram quatro episódios.
POLÍCIA
MILITAR
Segundo a corporação, na ocasião, a
equipe encontrou a vítima e deu toda a atenção a ela.
“Pelo fato de outras viaturas também
estarem empenhadas em ocorrências e por se tratar de área de risco, a condução
se deu numa única viatura, havendo atenção em relação à vítima”.
POLÍCIA
CIVIL
De acordo com informações da 74ª DP
(Alcântara), foi instaurado um procedimento para identificar outros envolvidos
no estupro. No dia do fato, dois adolescentes foram apreendidos por policiais
militares e conduzidos à delegacia.
A vítima foi ouvida e narrou ter sofrido
abusos sexuais por quatro pessoas.
O caso está sob sigilo.
A Secretaria estadual de Direitos
Humanos também está acompanhando o caso.
APOIO
A Comissão de Direitos Humanos da Alerj
tem acompanhado a vítima e já a levou para fazer exames médicos.
Ela também passará por um tratamento
psicológico.
Já a Defensoria Pública do Rio disse que
já recebeu um pedido de ajuda e que está tomando conhecimento sobre o caso.
PROCESSO
EMPACADO
Um impasse envolvendo diferentes
instâncias judiciais manteve parado por cerca de três meses o processo
referente ao estupro coletivo sofrido por uma adolescente de 16 anos no Morro do
Barão, na Praça Seca, Zona Oeste do Rio, em maio deste ano.
A Justiça Federal tomou o caso para si,
em virtude da divulgação das imagens sexuais da menor nas redes sociais, crime
que foge da esfera estadual.
O Tribunal de Justiça do Rio, por sua
vez, alegava que ao menos o processo referente ao estupro seria, sim, de sua
competência.
Coube ao Superior Tribunal de Justiça,
no último dia 4, dar fim ao impasse, desmembrando o processo de acordo com as
atribuições de cada órgão.
Assim, são réus na 2ª Vara Criminal de
Jacarepaguá, pelo crime de estupro, Raí de Souza e Raphael Assis Duarte Belo,
que cumprem prisão preventiva, e Moisés Camilo Lucena, atualmente foragido.
(Ricardo Rigel do EXTRA ONLINE)
(Colaboraram Luã Marinatto e Wilson
Mendes)
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