A justiça brasileira contabiliza pelo
menos 31.610 processos com réus que serão julgados ou foram condenados por um
júri popular, mas que ainda aguardam, em prisão provisória, o julgamento de
seus recursos.
É o caso do goleiro Bruno Fernandes.
Condenado por um júri popular, ele
aguardava o julgamento de seu recurso em prisão provisória havia mais de seis
anos e foi solto após ser beneficiado por um habeas corpus do Supremo Tribunal
Federal (STF), por excesso de prazo em sua prisão.
Bruno foi condenado em 2013 pelo
Tribunal de Júri de Contagem (MG) pela morte de Elisa Samudio, mas sua prisão
era provisória desde as investigações, ou seja, ele ainda não estava cumprindo
a pena.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, que
concedeu a liminar, nada justifica a espera pelo recurso de apelação (leia a
íntegra da decisão).
Agora, o goleiro vai poder responder ao
restante do processo em liberdade. Se o recurso contra o júri for negado, ele
pode ser preso novamente.
Dados do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) mostram que essa é a situação de 13% dos processos envolvendo presos
provisórios do país. No total, o país possui 244.653 processos envolvendo
presos provisórios, ou seja, que ainda aguardam o julgamento de recursos atrás
das grades.
Os outros 213.043 não foram condenados
pelo júri, que só julga crimes contra a vida, mas por um juiz.
É o caso dos crimes de tráfico, roubo,
furto, entre outros.
Mas eles também poderiam pedir habeas
corpus se houver vícios na prisão, como excesso de prazo, falta de
fundamentação, entre outros, e, assim como o goleiro, obter liberdade
provisória.
O número difere do total de pessoas
presas porque um mesmo preso pode responder a mais de um processo. E porque num
único processo pode haver mais de um réu.
PRISÃO
PREVENTIVA
Segundo o criminalista Leonardo
Pantaleão, a lei prevê a hipótese de prisão antes da sentença, entre elas, a
preventiva, que é uma prisão provisória.
Porém, ele considera que tem havido um
exagero na aplicação dessa medida, em detrimento de outras alternativas, também
previstas em lei.
“Recentemente, tivemos problemas envolvendo
vereadores por fraudes. Qual é a periculosidade dessas pessoas? Por que prender
e não afastar do cargo?”, exemplifica.
O advogado ressalva que, embora a
situação do processo seja a mesma, nem todos os presos provisórios do país
conseguiriam o mesmo benefício de Bruno, mas, possivelmente, grande parte deles
poderia estar respondendo aos processos em liberdade. “Sem dúvida, temos um percentual
significativo de pessoas que deveriam estar presas preventivamente, que
representam um risco à ordem pública. Mas o Judiciário tem se valido da prisão
preventiva como a primeira das alternativas, e isso é algo que contraria as
regras do processo penal. Se todo mundo tivesse advogado para levar o processo
para o STF, talvez tivéssemos mais decisões como essa [do goleiro]”,
avalia.
Isso porque, segundo o criminalista,
como muitos dos presos são atendidos pela Defensoria Pública, isso retarda a
concessão da soltura, já que muitos estados sofrem com a falta de defensores. “A
Justiça decreta a preventiva de todo mundo, para fazer decisões midiáticas,
usar essas situações para que a sociedade não tenha sensação de impunidade.
Depois o advogado que se vire. Mas várias pessoas também são soltas com base
nessas argumentações [do ministro], só que elas são desconhecidas. Não é uma
decisão isolada para Bruno”, conclui.
OUTROS
CASOS
Em 2005, Suzane Von Richthofen, hoje
condenada pelo assassinato dos pais, ainda aguardava seu julgamento quando
obteve a liberdade provisória por decisão do STJ (Superior Tribunal de
Justiça). “Gravidade e circunstâncias do
fato criminoso (clamor público), bem como a proteção à integridade física dos
acusados, não justificam, por si sós, prisão de natureza provisória”,
entendeu o STJ.
Um dos argumentos do ministro Nilson
Naves, além da falta de fundamentação da prisão, foi o de que a provisória já
durava muito tempo.
Ela estava presa desde 2002.
O promotor que atuou no caso, Roberto
Tardelli, explica que Suzane foi novamente presa antes de ser julgada porque
representava uma ameaça ao irmão.
“Eu pedi novamente a prisão dela, não por
aquela entrevista que ela deu, como todo mundo pensa. Havia nos autos do
processo de inventário do irmão dela atitudes dela altamente comprometedoras da
segurança dele. Foram essas atitudes que levaram o juiz decretar a prisão.
Porque ela estava fundamentada”, afirma.
Para Tardelli, essa não é a situação de
Bruno.
“Há situações de alguma perplexidade nesse
júri [do goleiro] que foram atropeladas naquela pressa do clamor popular. A
grande pergunta que se faz, que o Brasil inteiro se faz, é: ele matou ou não
essa moça? Tem que ter uma regra processual e ela vem sendo negligenciada no
Brasil. Estou falando de algo que é o direito de todo mundo”, diz.
O promotor considera que nenhum réu pode
permanecer indefinidamente preso.
“O recurso dele está parado há anos. Como não
há nenhum laudo pericial, o que substituiu a morte foi um atestado judicial.
Claro que a liberdade do Bruno é absolutamente precária. Se o tribunal mantiver
o júri, ele volta a ser preso. Mas é preciso um processo isento”,
afirma.
Com relação a Bruno e aos demais presos
provisórios do país, Tardelli defende que “é preciso ter razões claras que determinam a
prisão de uma pessoa”.
“Você gostaria de estar preso, de estar
processado assim? A gente está assistindo a um verdadeiro desfile de ódio.
Temos linchadores de sofá aos montes. E isso acabou modificando até o
comportamento dos juízes. Esses presos nessa situação ficam esquecidos, ficam
jogados. São pessoas que não têm nome, não têm identidade, não têm família, não
têm nada. Nós temos que olhar isso [decisão do STF] como um passo à frente”,
completa.
Outro caso de repercussão foi o do
padrasto do menino Joaquim Pontes Marques, 3 anos, que foi preso
preventivamente em 2013, dias após o corpo da criança ser encontrado no rio
Pardo, interior de SP.
A suspeita era a de que Guilherme Longo
havia matado o menino com uma dose alta de insulina na casa da família em
Ribeirão e jogado o corpo no córrego.
A força das águas o levou a quilômetros
de distância do local do crime.
Longo foi denunciado, mas, em fevereiro
de 2015, dois anos e três meses após prisão, foi libertado por decisão do
Tribunal de Justiça de São Paulo por excesso de prazo na prisão sem julgamento.
No ano seguinte, em liberdade, Longo
concedeu uma entrevista a uma emissora confessando o assassinato.
A prisão foi revogada depois que ele
descumpriu as regras da liberdade provisória, mas ele desapareceu e continua
foragido.
Em São Paulo, Rogério Jeremias de
Simone, o Gegê do Mangue, apontado como o número 3 na hierarquia do PCC, foi
solto em fevereiro, pouco antes de ser julgado por dois assassinatos, em São
Paulo.
Agora, está sendo procurado pela polícia
e pode ter se escondido no Paraguai.
Uma das decisões favoráveis a ele foi do
ministro Marco Aurélio, em 2014: “Hoje,
o paciente, sem culpa formada, está sob custódia há sete anos, 10 meses e 21
dias (...). Nada justifica a demora no julgamento".
O ministro Marco Aurélio também mandou
soltar o autônomo Ricardo Krause Esteves Najjar, de 24 anos, preso em dezembro
do ano retrasado por suspeita de matar a filha Sophia, de 4, dentro de seu
apartamento em São Paulo.
A menina foi encontrada morta com
indícios de asfixia.
A defesa de Najjar disse que, após ter
tomado banho, ele foi até o quarto e viu a filha caída no chão, com um saco
plástico na cabeça.
Como Najjar foi preso durante as
investigações, o ministro entendeu que houve excesso de prazo e que a prisão
deveria ocorrer somente após “selada a
culpa” para a execução da pena. Najjar ficou um ano preso sem julgamento,
que deve ser feito por um júri popular.
No mesmo habeas corpus, que ainda será
julgado pelo plenário do Supremo, a Procuradoria Geral da República opinou
contra a concessão de liberdade.
“Há circunstâncias concretas, designadamente
a violência e a crueldade com o que o paciente causou a morte da própria filha,
então com apenas quatro anos, que são certamente reveladoras de real
periculosidade, autorizando a prisão preventiva para preservar a ordem pública”,
escreveu o subprocurador Edson Oliveira de Almeida, em janeiro deste ano.
A decisão final ainda será tomada pelo
plenário, assim como a de Bruno.
RECURSO
CONTRA SOLTURA
Bruno foi condenado como mandante da
morte da ex-amante Eliza Samudio a uma pena de 22 anos e três meses de prisão.
Eliza desapareceu em 2010 e seu corpo nunca foi achado.
Ela tinha 25 anos e era mãe do filho
recém-nascido do goleiro Bruno, de quem foi amante.
Na época, o jogador era titular do
Flamengo e não reconhecia a paternidade.
A mãe da modelo recorreu da decisão do
STF na condição de assistente de acusação, que atua ao lado do Ministério
Público no processo contra o goleiro.
Sônia de Fátima Marcelo da Silva de
Moura diz que o goleiro é “pessoa fria, violenta e dissimulada”
e que sua personalidade é “desvirtuada” e “foge dos padrões mínimos de
normalidade”. Segundo ela, Bruno representa risco à vida do neto.
“O paciente [goleiro Bruno] não só oferece
risco, como também já manifestou seu interesse que colocar as mãos na vítima
Bruno Samudio de Souza [filho do goleiro com Eliza] e, teme a embargante
[Sônia] que possa ocorrer com seu neto e consigo mesma, o que aconteceu com sua
filha, ser morta”, diz o pedido. O plenário do STF ainda não tem data
para julgar o mérito do habeas corpus.
A PGR ainda vai se manifestar.
(Por Rosanne D'Agostino, G1, São Paulo)
Brasil, um país sem lei e sem recursos !
ResponderExcluirQuem? Escapará da justiça divina
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