Editoral O Globo
Enquanto a crise política atinge o
Congresso e prejudica as maquinações legislativas contra a Lava-Jato e o
combate à corrupção de um modo geral, as ameaças avançam em duas outras
frentes.
Uma está no Supremo, onde há quem
pretenda rever o veredicto, com cláusula vinculante — para ser seguido por
todos os tribunais —, de que pena pode ser cumprida na confirmação da sentença
pela segunda instância; e a outra frente o presidente Michel Temer abriu no
domingo, com o movimento audacioso de substituir, no Ministério da Justiça, o
deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) pelo advogado Torquato Jardim, tirando este
do Ministério da Transparência, antiga Controladoria-Geral da União (CGU).
Jardim não esconde desgostar da
Lava-Jato.
Também ex-ministro do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), é provável que o presidente o veja como alguém que possa
ajudá-lo no julgamento da sua chapa com Dilma Rousseff, pelo tribunal, a partir
de 6 de junho.
O presidente parece apostar no trânsito
de Jardim nos meios jurídicos.
Um objetivo evidente, porém, é
controlar, enfim, a Polícia Federal, sonho de todo político implicado em
malfeitos.
Não por acaso, em uma das gravações
feitas por Joesley Batista de conversa com Aécio Neves, o tucano dirige pesadas
críticas a Serraglio, por ele não interferir na distribuição de inquéritos,
para entregá-los a delegados confiáveis.
Inclusive, ensina como se faz.
No Legislativo, tenta-se livrar
políticos investigados ou denunciados na Justiça com a aprovação de algum tipo
de anistia. Algo difícil.
Há ainda a manobra de se usar projeto
contra o abuso de autoridade, para se criminalizarem juízes e procuradores.
O plano, se realizado, tende a ser
contestado no Supremo.
Já a audácia de Temer está no fato de
esta intervenção na PF ser esboçada depois que, a pedido da Procuradoria-Geral
da República, o ministro Edson Fachin, do Supremo, instaurou inquérito para
investigar o presidente, a partir das delações de Joesley Batista.
É como se Michel Temer se preparasse
para manipular a PF, a fim de não ser investigado como estabelecem os melhores
protocolos policiais: isenção, rigor, obediência à lei.
Por sinal, é o que vem demonstrando
Leandro Daiello, diretor-geral da PF desde 2011, ao conduzir de maneira
competente investigações importantes sob os governos Lula, Dilma e, agora,
Temer.
Neste sentido, Torquato Jardim não
precisaria ter dito, no domingo, que ouviria Temer sobre mudanças na Polícia.
Afinal, ela tem dado demonstrações de
seriedade e correção durante todo este tempo.
A não ser que queiram mudar este padrão,
o que seria desastroso.
A Polícia Federal, um dos organismos de
segurança do Estado, tem subordinação administrativa ao Executivo, mas não pode
ser usada como guarda pretoriana dos governantes de turno.
(Editoral O Globo)
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