O
nome de Elza Soares é reconhecido nacionalmente há muitas décadas.
Dona
de uma voz potente, começou a cantar com o pai aos cinco anos, e o talento para
a música foi reconhecido desde cedo.
Aos
13 anos, ela deixou Ary Barroso de queixo caído, no consagrado programa de
calouros da Rádio Tupi – era a primeira vez que cantava em público.
“Senhoras
e senhores, nesse exato momento acaba de nascer uma estrela”, disse o
apresentador na época, minutos depois de ter zombado de Elza por causa da
maneira como estava vestida. Olhando para aquela garota pobre de tudo, Ary
perguntou de que planeta Elza havia vindo. A plateia gargalhou imediatamente,
mas calou-se assim que ouviu a resposta: “Vim do planeta fome”.
Infelizmente,
Ary estava enganado ao dizer que uma estrela nascia naquele dia.
Isso
porque a família de Elza foi contra sua carreira artística, mesmo que isso
pudesse aplacar a pobreza em que viviam.
E
era pobreza de verdade!
Ela nasceu na favela carioca de Moça Bonita (atual Vila
Vintém), em 23 de junho de 1937.
Aos
12 anos foi forçada a se casar e com 13 já era mãe.
Apresentou-se na Rádio Tupi
escondida, na esperança de conseguir dinheiro para salvar o filho doente, que
veio a falecer logo depois.
Com
meros 21 anos, Elza já havia velado dois filhos e também o primeiro marido.
Nessa
época o desespero foi grande, pois ela tinha cinco crianças para criar e não
trabalhava fora.
Mas
em meio à tragédia, surgia uma luz: ao ficar viúva, Elza finalmente conseguiu
aventurar-se no meio artístico.
E,
como sabemos, essa empreitada acabou dando certo.
A
rouquidão característica transformou Elza em uma artista singular no cenário
nacional.
Seu
legado é tão notório que a BBC de Londres a elegeu como a cantora do milênio,
em 2000.
Só
que, infelizmente, o imaginário popular não faz jus à história dessa grande
guerreira.
Durante
décadas, Elza precisou viver sob o rótulo de “a amante que acabou com o
casamento de Garrincha” e, mais recentemente, passou a ser conhecida como uma
mulher que fez plásticas demais.
Quanto
à história com Garrincha, a cantora viveu um verdadeiro pesadelo.
O
jogador era endeusado nos anos 1960, quando o relacionamento dos dois começou e
ele ainda estava casado.
Elza, por sua vez, estava em início de carreira.
Aí
não é preciso ser um gênio para imaginar quem a sociedade crucificou na época.
A
cantora chegou a ser ameaçada de morte, sofria ataques na rua e era hostilizada
também pelos amigos do atleta.
Mesmo
assim, os dois se casaram, tiveram um filho e ficaram juntos por mais de 15 anos.
E
a razão do término representou um novo drama na vida de Elza: longe dos
gramados, Garrincha tornou-se alcoólatra e violento com a esposa.
Ela
apanhou diversas vezes e chegou a ter os dentes quebrados numa ocasião.
Na
época, sofreu calada.
Somente
em 2015, conseguiu exorcizar a dor de ter sido vítima de violência doméstica e,
através da música Maria da Vila Matilde, vocifera: “cê vai se arrepender de levantar
a mão pra mim”.
A
canção rapidamente tornou-se um hino no movimento feminista e, sempre que a
interpreta em shows e programas de TV, Elza convoca vítimas a denunciarem seus
agressores.
Maria
da Vila Matilde faz parte de um álbum poderoso que, não por acaso, se chama A
Mulher do Fim do Mundo.
A
obra é um verdadeiro manifesto autobiográfico que se propõe a dizer: “senhoras
e senhores, vocês estão diante de uma sobrevivente”.
E
não há palavra melhor para definir Elza Soares: sobrevivente.
Essa é uma
senhora de 80 anos, castigada pela vida de todas as formas.
Encarou
de frente a fome, a pobreza, o casamento na infância, o ódio das massas, a
ditadura (ela e Garrincha exilaram-se na Europa por anos), a morte de quatro
dos seus sete filhos, a violência doméstica e – como se não bastasse – um
terrível problema de coluna na velhice.
Só
o fato de estar viva já é notável e mais impressionante ainda é ver que Elza se
recusa a parar quieta.
No
palco, precisa ficar sentadinha e o fôlego às vezes lhe falta. Mesmo assim, a
voz ainda é poderosa – tal qual o espírito dessa mulher inacreditavelmente
forte.
Como
ela diz na canção que batiza seu disco mais recente: “Eu quero cantar até o fim. Me
deixem cantar até o fim”.
E
a gente responde: não precisa pedir permissão, rainha.
É
um privilégio enorme continuar ouvindo a sua voz!
(Por
Júlia Warken/MSN)
panho de merda
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