Editorial
de O Globo
Não se pode menosprezar a
capacidade do presidente Michel Temer e de seu grupo de atuarem nos
desvãos de Brasília para se manter no poder.
Prova de clarividência e do
faro estratégico do bunker em que se transformou o Planalto, para
levar o presidente até 31 de dezembro de 2018, a salvo de perigos.
Se o julgamento desmoralizou a
Justiça Eleitoral, diante do oceano de provas de uso de dinheiro
sujo pela chapa, também sinalizou que a decisão de Temer e grupo de
resistirem a qualquer custo parece não ter limites.
Isso preocupa.
Na própria sexta, quando o
tribunal inocentou Temer e Dilma, a revista “Veja” informou que,
do contra-ataque desfechado pelo Planalto, constaria a Lava-Jato como
alvo.
No caso, o ministro Edson
Fachin, do Supremo, relator, na Corte, dos processos derivados da
investigação, e responsável pela homologação da delação de
Joesley Batista, do grupo JBS, que tantos danos causou ao presidente.
Em um caso inominável de uso
da máquina do Estado em proveito próprio, o presidente teria
mobilizado a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para
produzir um dossiê contra o ministro.
Pelo menos uma das linhas
exploradas pela espionagem seria a suposta proximidade de Fachin com
o JBS.
A presidente do Supremo,
ministra Cármen Lúcia, reagiu no tom devido, tachando a devassa de
“própria de ditaduras” e “gravíssimo crime contra o
Supremo Tribunal Federal, contra a democracia e contra as
liberdades”.
O Planalto divulgou nota de
desmentido, além de o próprio Temer telefonar para a ministra.
Ontem, a presidente da Corte,
por meio de assessores, deu voto de confiança a Temer — “não
há o que questionar quanto à palavra do presidente da República”.
Temer, ainda, divulgou vídeo
com desmentido veemente.
Esta grave faceta que a crise
em torno de Temer revela não para aí.
Por óbvio, os organismos de
Estado devem agir diante das falcatruas relatadas por Joesley, mas há
um movimento de braços do governo para estrangular o JBS como
empresa — e este não é objetivo da legislação sobre acordos de
leniência e de colaboração premiada.
Este jornal criticou a
excessiva benevolência com que a Procuradoria-Geral da República
premiou os irmãos Joesley e Wesley Batista por suas delações, sem
um dia sequer de prisão, mesmo domiciliar, e com a permissão de
viajarem para o exterior.
Não se aceita é retaliação,
própria do autoritarismo.
Para reforçar os temores, um
ministro do Supremo, Luís Roberto Barroso, em solenidade, sexta, no
Tribunal de Justiça do Rio, se referiu ao enorme poder do Estado
brasileiro, “quando quer se vingar de alguém”.
E citou o caso do JBS:
“ninguém tem dúvida de que vai virar terra arrasada”.
Por tudo isto, e mais o que
poderá vir, Temer e o governo têm de dar demonstrações cabais de
não repetir práticas de ditaduras, como citou a ministra Cármen
Lúcia.
Deveria se comprometer, por
exemplo, na substituição de Rodrigo Janot na Procuradoria-Geral da
República, a escolher o primeiro colocado na lista tríplice que
receberá.
Como fizeram Lula e Dilma, por
sinal.
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