*Vítimas deixam de interagir com amigos,
mudam de cidade e sofrem agressões físicas.
*Criar boatos pode se enquadrar nos
crimes contra a honra.
*Veja o que fazer caso seja vítima.
O que pode começar como algo pequeno em
um grupo de Whatsapp ou em uma página na internet pode acabar com a vida das
pessoas.
A autônoma Sarah Monteiro, do Pará,
ficou um mês sem sair de casa após uma falsa montagem pornográfica que circulou
pelas redes.
Já Aninha Moura, do Piauí, foi morar a
1.500 km de sua cidade natal para tentar recomeçar a vida após uma corrente que
a acusava de espalhar o vírus HIV a homens.
O comerciante Luiz Aurélio, do Rio, teve
o seu carro incendiado após um boato de sequestro de crianças.
A dona de casa Fabiane Maria de Jesus,
de São Paulo, foi vítima de uma história semelhante e morreu espancada.
“O boato pode vir de uma piada de um grupo de
Whatsapp de amigos, com ironia, em uma montagem brincando com uma foto sua.
Pode ser um ‘meme’ que vai circular na família sem nenhuma repercussão mais
negativa, mas pode acontecer também algo mais trágico, como uma pessoa sendo
espancada no meio da rua porque parecia com uma suposta sequestradora de
crianças”, diz Fabio Goveia, coordenador do Laboratório de Estudos
sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo.
“E isso é em todo o país.”
O professor da FGV Direito Rio Pablo
Cerdeira, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade, destaca também as
repercussões na vida social das pessoas.
Segundo Goveia, a sociedade passa por um
período em que as tragédias vão despertar cada vez mais interesse e necessidade
de alfabetização do uso das redes sociais, algo que foi potencializado pelo
modo como a internet se desenvolveu.
“Antes, você podia escrever uma carta ou
falar por telefone com impacto limitado. Hoje, com as redes, você tem a
potencialidade de falar com qualquer pessoa do mundo, e isso exige mais responsabilidade
de quem escreve algo ou grava um vídeo. Qualquer pessoa pode ser criador de
conteúdo.”
Ou seja, é fácil fazer uma montagem com
a foto de alguém ou escrever uma mentira sobre um conhecido e postar na web.
Mas isso pode ter implicações.
“Produzir, receber e passar adiante uma
notícia falsa é colocar em risco a vida de algumas pessoas. Inclusive da
própria pessoa que produziu e repassou aquilo, pois ela pode virar alvo da
pessoa enganada”, diz Goveia.
Ou da própria polícia e da Justiça,
completa Cerdeira.
CRIAR
BOATOS É CRIME?
Mentir não é crime – mas escrever
mentiras sobre outras pessoas, sim.
“Tudo o que você disser que se traduzir em um
dano moral a alguém ou ainda aquilo que, porventura, gerar algum prejuízo a
alguém e acabar resultando em vantagem para quem profere esse comentário pode
implicar em uma situação que encontra enquadramento na esfera criminal”,
diz Demétrius Gonzaga de Oliveira, delegado-titular do Núcleo de Combate aos
Cibercrimes da Polícia Civil do Paraná.
No Código Penal brasileiro, essas
implicações legais ligadas a boatos se enquadram nos chamados crimes de honra:
Calúnia:
Caluniar alguém, imputando-lhe
falsamente fato definido como crime.
Pena: detenção de seis meses a dois anos
e multa.
Difamação:
Difamar alguém, imputando-lhe fato
ofensivo à sua reputação. Pena: detenção de três meses a um ano e multa.
Injúria:
Injuriar alguém, ofendendo-lhe a
dignidade ou o decoro.
Pena: detenção de um a seis meses e
multa.
“Se eu disser que João é um ladrão e ele não
é, estou cometendo o crime de calúnia. Se eu disser que João é um vagabundo e
não faz nada da vida, estou difamando. Quando digo que João é um médico ruim,
um profissional incompetente, é injúria”, afirma Cerdeira.
Os três crimes têm penas semelhantes,
mas Cerdeira destaca que toda detenção menor que 4 anos é convertida em cesta
básica e outros serviços.
“Tudo gera consequências, se não na esfera
criminal, muitas vezes na esfera cível. Tem situações que você não encontra
respaldo como crime, mas, pelo fato de ter usado indevidamente o nome ou a
imagem de outra pessoa, acaba encontrando repercussão na esfera cível. Gera uma
indenização que pode chegar a 35 mil reais", diz Oliveira.
FUI
VÍTIMA DE UM BOATO – E AGORA?
Para conseguir levar o caso para Justiça
é importante que a vítima siga alguns passos, afirma Cerdeira.
Consolidar
a prova:
Fazer um print ou imprimir a página do local em que o boato foi postado ou o
comentário foi feito.
Procurar
uma delegacia:
Algumas cidades têm delegacias especializadas em crimes eletrônicos, que são
ideais porque geralmente a equipe técnica já está preparada para produzir a
prova necessária.
Caso a cidade não tenha, porém, o
boletim de ocorrência pode ser feito em qualquer delegacia.
A ONG Safernet tem uma lista de
delegacias especializadas em diversos estados do Brasil.
Contratar
um advogado:
Caso a pessoa deseje seguir de fato pela via judicial, deve contratar um
advogado.
Cerdera destaca que alguns casos também
podem ser levados para o Ministério Público, principalmente quando se referem a
grupos específicos, como nordestinos, mulheres e negros.
Tanto Cerdeira quando Oliveira destacam
que muitos casos podem acabar em acordos.
“Mesmo quando vai para o judiciário, a
Justiça vai tentar fazer uma conciliação”, diz o professor.
Foi o que aconteceu no caso da
universitária Izabela Stelzer, do Espírito Santo, vítima de um boato que dizia
que ela teve relações sexuais com um homem que não conhecia.
O criador da história teve de se
retratar publicamente no Facebook, negando os boatos.
COMO
SE PROTEGER DOS BOATOS?
Aumentar a privacidade dos perfis, não
postar fotos pessoas, evitar encaminhar mensagens com assinaturas no final…
Essas são algumas das soluções
encontradas pelos usuários.
Mas será que é possível evitar ser
vítima de um boato?
Todos os especialistas concordam que é
muito difícil conseguir se proteger, e por um motivo simples: a internet é
feita de compartilhamento de informações.
“Eu diria que é impossível alguém não usar a
internet para compartilhar. Se for para manter perfil fechado, qual é o sentido?
E, se abre para uma pessoa, pronto", diz Goveia.
Cerdeira diz que talvez um bom caminho seja tentar ser menos exposto.
Cerdeira diz que talvez um bom caminho seja tentar ser menos exposto.
“A gente passa por uma fase de grande
exposição. Tudo que passa pela cabeça vai parar na internet. Isso abre flanco
para receber críticas e para ter uma foto alterada e difamada. Não é culpa da
pessoa, pois cada um é livre para falar o que quiser dentro do limite do legal.
Mas é uma das estratégias para redução de risco.”
(Por Clara Velasco, G1)
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