O papa Francisco está chegando ao
término de cinco anos de pontificado, a serem completados em 13 de março de
2018, com altíssimo índice de aprovação dos católicos e generalizada admiração
de adeptos de outras religiões, mas, ao mesmo tempo, com expressiva resistência
de setores da Igreja.
Aos 81 anos, celebrados em 17 de
dezembro, às vésperas do Natal, o argentino Jorge Mário Bergoglio, enfrenta os
obstáculos com determinação e programa viagens internacionais, apesar da saúde
confessadamente frágil.
“Sei que vou durar pouco, dois ou três anos,
e depois vou para a Casa do Pai”, afirmou Francisco, em agosto de 2014.
Se a previsão fosse para valer, o papa
já estaria no lucro, pois o prazo se esgotou.
Ele admitiu, na época, que tinha
problemas de saúde, “alguns problemas de nervos”, dos
quais teria de cuidar. Lembre-se, além disso, que extraiu parte de um pulmão,
na juventude.
Por isso, jamais canta nas cerimônias
religiosas, pois é incapaz de entoar uma antífona, uma palavra que seja para a
recitação de um salmo.
Francisco admitiu a hipótese de vir a
renunciar, se achasse que não teria mais condições de dirigir a Igreja.
“Bento XVI abriu uma porta, que é
institucional”, disse.
Seria estranho e admirável ver dois
papas eméritos passeando pelos jardins do Vaticano, se Francisco decidisse
fazer companhia a seu predecessor.
A não ser que ele preferisse outro
destino, como voltar para Buenos Aires, “o fim do mundo” de onde saiu, ao ser
eleito em março de 2013.
Estas são hipóteses remotas, pouquíssimo
prováveis, mas não descartáveis.
Mais previsível é que Francisco continue
à frente da Igreja mais alguns anos, com forças suficientes para enfrentar os
desafios de sua missão e a oposição dos adversários, dentro e fora da Cúria
Romana.
A resistência aflorou em 2016 com a
divulgação de uma carta assinada por quatro cardeais, liderados pelo
norte-americano Raymond Burke, que questionaram o papa, pedindo que
esclarecesse cinco dubia, ou questões
para eles contrárias à doutrina, suscitadas pela exortação apostólica Amoris Laetitia (A alegria do amor),
sobre o Sínodo da Família.
Sacramentos.
Burke e os outros cardeais, dois deles
agora mortos, exigiam esclarecimento para a orientação de que os bispos das
dioceses atuem como últimos juízes para permitir o acesso aos sacramentos de
católicos em segunda união.
Aos bispos, escreveu o papa, cabe ter
discernimento para, ao analisar cada situação, permitir ou não que os
divorciados recasados possam comungar.
Os cardeais opositores argumentam que
esses católicos cometem adultério, estão em pecado e, portanto, não podem
receber a eucaristia.
O então prefeito da Congregação para a
Doutrina da Fé, o cardeal alemão Gerhard Ludwig Muller, fez a apresentação do
livro dos críticos, sendo por isso apontado como opositor ao papa, mas depois
disse que a exortação apostólica não era contrária à doutrina.
Afastado da Congregação após cinco anos
de mandato, disse que sua saída não se devia a supostas divergências com
Francisco. Muller havia dito que as coisas que o papa está falando são boas pastoralmente, mas não têm densidade
teológica.
Ao exigir uma resposta do papa, Burke disse que se corre o risco de provocar
um cisma na Igreja, se for mantida a orientação.
Francisco não respondeu aos
cardeais opositores, mas em carta aos bispos argentinos manteve a orientação
dada na exortação apostólica e afirmou que o documento reflete o magistério e
que, portanto, deve ser seguida como orientação oficial do sucessor de Pedro.
Burke ainda não se manifestou, após essa explicação, mas as críticas à Amoris Laetitia se multiplicam nas redes
sociais.
O canal Alerta cristão, conservador, vê
blasfêmia e heresia nas atitudes e palavras do papa.
“Quem faz oposição ao papa Francisco, como
esses cardeais e leigos conservadores, é uma minoria, porque a maioria na
Igreja e fora dela está com ele”, observa a teóloga Maria Clara
Bingemer, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ).
“O que se abriu não vai mudar”, observa
a teóloga.
O rodapé do capítulo 8 da exortação
sobre a pastoral para os casais separados em segunda união, acrescenta, “é um
precedente, embora seja uma abertura discreta, pois o que se abriu não vai
mudar”.
Outras questões das quais o papa tem
tratado, “e as pessoas vão anotando”, referem-se aos homossexuais, à
ordenação sacerdotal de homens casados e à valorização da mulher no governo da
Igreja.
A doutrina básica não se altera, mas a
pastoral ganha nova orientação.
Francisco recebeu um ex-colega padre
homossexual que se casou com um homem e se reuniu com ex-padres casados
acompanhados de suas mulheres, visitando-os na casa de um deles, em Roma.
Tudo isso provoca críticas, resistências
e até risco de um atentado contra Francisco.
Foi por isso, na interpretação de Maria
Clara, que o papa foi morar na Casa Santa Marta, onde seria mais difícil ser
envenenado, como poderia ocorrer no Palácio Apostólico.
Ele mora num apartamento de sala, quarto
e banheiro, padrão da residência.
Serve o próprio prato no buffet do
refeitório e senta-se à mesa com os hóspedes em qualquer lugar disponível.
Para surpresa de quem o vê entrar, usa o
elevador sem exclusividade.
O papa foi aconselhado a usar em locais
abertos, como a Praça de São Pedro e em viagens ao exterior, mas resistiu à
sugestão.
Ele se recusa também a circular em
papamóvel com vidros blindados.
Quanto ao fato de morar na Casa Santa
Marta, a mesma fonte admite que existe essa interpretação, mas observa que, em
sua opinião, o que Francisco pretendia ao deixar o Palácio Apostólico era ficar
mais perto das pessoas para um contato informal.
Para o professor Francisco Borba Ribeiro
Neto, coordenador do Núcleo Cultura e Fé da PUC de São Paulo, a oposição ao
papa Francisco se concentra nos problemas morais e culturais.
“É o ponto em que as pressões acabam
estourando, porque a dificuldade de diálogo aí é maior”, observa Borba.
“Há questões em que o papa não está tocando
que seriam importantes para áreas conservadoras dos Estados Unidos e da Europa,
onde a Igreja adquiriu um processo de identidade associado a valores morais”,
ele acrescenta.
“Quando Francisco prega mais acolhida a quem
está fora da Igreja e em condições consideradas inadequadas, ele choca aqueles
cristãos que adquiriram sua identidade em defesa de valores com contraposição
ao mundo”, continua o professor da PUC.
“Esses cristãos se sentem abandonados quando
o papa defende homossexuais e divorciados em segunda união”, afirma. “Francisco
puxou o tapete, sem se dar conta de que está indo contra eles”.
Para Borba Neto, nenhum cristão pode
dizer que o papa Francisco está errado, quando ele insiste que a Igreja tem de
se abrir e acolher as pessoas afastadas de suas normas, como os recasados.
Borba acha que é preciso buscar um terceiro caminho que escape à polarização
das tendências que aplaudem ou que se opõem ao papa, frequentemente atribuindo
a ele, de um lado e de outro, palavras que não falou.
Defensores da Teologia da Libertação
consideram que, sem falar nele, Francisco põe em prática o que o movimento
pregava desde os anos 1960.
O teólogo e historiador padre José Oscar
Beozzo, que segue a corrente da Libertação, observa que Francisco escolheu dois
trechos do discurso do papa João XXIII na abertura do Concílio Ecumênico em
1962 para sua orientação pastoral.
“Nada de condenações e anátemas”,
advertiu João XXIII, ao lembrar que a Igreja sempre condenou os erros, mas
considerou a misericórdia como melhor remédio, disse Beozzo.
Francisco, que depois criou o Ano da
Misericórdia, será conhecido no futuro como o papa da misericórdia, prevê o
teólogo.
O cerne da oposição a Francisco, concorda
o teólogo, é a orientação de Amoris Laetitia para a reintegração dos recasados.
No
Brasil.
A Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) elogia a linha do pontificado de Francisco, mas nem todos os
bispos brasileiros demonstram muito entusiasmo com sua orientação. Não fazem
críticas ao papa, mas também não põem em prática tudo o que ele ensina.
As críticas partem mais de católicos
conservadores, em manifestações reservadas ou pela internet.
O apoio vem mais da base, dos movimentos
da pastoral social.
(José Maria Mayrink, O Estado de S.Paulo)
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