Do UOL
A morte do primeiro nome do PCC (Primeiro Comando da Capital) fora de um presídio, o "Gegê do Mangue", mostrou como o Ceará se tornou um Estado fundamental no mapa do tráfico de drogas no país. Gegê foi morto na quinta-feira (15/02) ao lado de um comparsa, em uma reserva indígena em Aquiraz, na Grande Fortaleza.
A morte do primeiro nome do PCC (Primeiro Comando da Capital) fora de um presídio, o "Gegê do Mangue", mostrou como o Ceará se tornou um Estado fundamental no mapa do tráfico de drogas no país. Gegê foi morto na quinta-feira (15/02) ao lado de um comparsa, em uma reserva indígena em Aquiraz, na Grande Fortaleza.
As mortes motivaram o envio, pelo
governo federal, de força-tarefa ao Estado e levaram o ministro da Justiça,
Torquato Jardim, a afirmar que o Estado é estratégico para o tráfico de drogas,
de forma que "quem conquistar o Ceará, conquista o Nordeste”.
Mas o que está por trás de tamanho
interesse do PCC e de outras facções – e até de criminosos internacionais – com o Ceará?
O interesse pelo Estado começou a ser
prospectado no final da década passada, quando o trabalho das polícias coibiu
com mais rigor a entrada de drogas pela tríplice fronteira, no Paraná,
especialmente as vindas do Paraguai.
Os traficantes então passaram a usar
outro trajeto para trazer e distribuir drogas em território brasileiro.
Com isso surgiu então a rota Solimões,
trajeto que corta o Norte, para ingresso de drogas no Brasil vindas
especialmente da Bolívia – o domínio dessa rota é um dos pontos-chave do
desentendimento entre as facções FDN (Família do Norte) e PCC (Primeiro Comando
da Capital).
O ponto de escoamento e distribuição dessa
droga é justamente o Ceará – de onde os
entorpecentes são distribuídos para Europa e para outros Estados do país.
O cenário de violência no Estado traz
indícios da relevância da região para o crime organizado.
Em menos de dois anos, nomes importantes
do tráfico de drogas nacional e até internacional foram presos ou mortos em
território cearense.
Um deles foi Alejandro Camacho Júnior,
irmão de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do PCC.
Alejandro foi preso em Fortaleza pela Polícia Federal em março de 2016.
Em dezembro daquele ano, foi a vez de
Chepa, grande traficante mexicano, ser detido no Ceará.
(Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, do PCC) |
Ele era apontado como um dos três
líderes do cartel mexicano de drogas "Jalisco Nova Geração" – a CJNG,
considerado o mais violento do país.
Ele estaria de férias com a família,
segundo a versão oficial, mas a suspeita é que ele prospectava mercado de
drogas no Ceará.
Localização é fator determinante para
compreender a ascensão do Ceará na geografia do tráfico de drogas no país.
"O Ceará tem claramente uma
vantagem frente a todos os Estados, que é logística operacional: é a menor
distância entre o Brasil e a Europa. Além disso, é pobre e tem uma gestão de
segurança deficiente. Em 2010 já se tinha história de HUBs [centro de conexão
de voos], que queriam implementar aqui uma logística de transporte aéreo. A
mesma lógica que atrai as empresas aéreas atraiu as facções", explica
o pesquisador do tráfico de drogas no Estado e professor da UFC (Universidade
Federal do Ceará), José Raimundo Carvalho.
O professor trabalhou no setor de
estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do Ceará entre 2009 e 2015 e
lembra que a mancha criminal cearense começou a mudar quando o PCC chegou.
"Deixaram de ser homicídios
comuns, como por vingança, bebida, traição, para se transformar em uma luta por
espaço das facções", afirma.
Carvalho não tem dúvidas de que o Ceará
se tornou hoje o principal distribuidor de droga do país, enviando também
entorpecentes para Rio, São Paulo e Minas Gerais.
"Por essas vantagens naturais e
por ter sequências de deficiências, o Ceará se tornou ponto-chave, ou seja,
quem passa a dominar a logística e a distribuição de drogas internacionais é
quem domina o Ceará”, afirma o pesquisador.
Uma das suspeitas que o professor
levanta sobre a presença de Gegê no Ceará seria a missão de organizar uma
suposta vingança para a morte de 14 pessoas em uma chacina comandada em janeiro
pela facção GDE (Guardiões do Estado) em um forró da capital. O GDE é a maior facção
do Estado.
"Vimos muito o PCC oferecendo
armamento e munição para fazer o que o secretário não consegue, que é eliminar
o GDE”.
O interesse pelo Ceará pode ser visto
pela presença atípica de quatro facções na disputa por cooptação de presos e
espaço.
Além do PCC, há no Estado integrantes do
CV (Comando Vermelho), GDE e FDN.
A realidade é diferente dos outros
Estados,
onde há normalmente domínio de uma facção (como ocorre com o PCC em São Paulo)
ou disputa de no máximo duas facções.
A guerra entre facções foi decisiva para
que o número de assassinatos no Estado batesse recorde em 2017, com 5.134
mortes.
Em duas décadas, esse índice cresceu 54
Para o
especialista, a disputa por esse espaço causou uma verdadeira epidemia de
mortes, em número muito superior que o Rio de Janeiro, por exemplo.
"É uma situação catastrófica,
muito pior que a do Rio", explicou.
Uma diferença marcante do PCC para
facções locais é o poder de fogo, com oferecimento de armas e estrutura para o
crime.
Gegê, por exemplo, tinha a seu dispor um
helicóptero com o qual viajava para a Bolívia.
Joias e carros e casas de luxo também
são marca dos líderes do grupo.
Mas, para se firmar, a organização exige
taxas de membros e remete boa parte dos lucros para São Paulo.
Foi contra essa lógica que dissidências
surgiram no Nordeste e hoje disputam o poder, como no Rio Grande do Norte,
com o Sindicato do RN, e no Ceará, com a GDE.
Além disso, há a rixa com o Comando
Vermelho, que também luta por espaço na região.
O jornalista, escritor e pesquisador do
PCC, Josmar Josino, explica que o PCC teve como estratégia expandir a dominação
do tráfico para o Nordeste.
Ele concorda que a força do Ceará nesse
processo tem a ver com o tráfico internacional de drogas.
"O PCC cresceu muito e está se
expandindo em todos os Estados, e aí acredito que o
Ceará é um ótimo local para crescer. Mas as outras facções perdem espaço nas
ruas e nas prisões, daí vem essa disputa", afirma.
Não é só no controle do tráfico de
drogas que o PCC embasou sua estrutura: a facção conta com cerca de 5.000
integrantes nos presídios.
"Sabemos que o PCC é a maior e
mais bem-organizada facção criminosa atualmente em atuação no Ceará, dentro e
fora do sistema penitenciário. Não é por acaso a presença aqui dessas
lideranças maiores, de âmbito nacional. Certamente, a morte delas surtirá
efeito nas unidades carcerárias, com possível acirramento e a escalada de violência
dentro e fora dos presídios", afirma Claudio Justa, presidente
do Conselho Penitenciário do Ceará.
Diante das mortes, Justa vê risco de
matanças nos presídios cearenses.
"Como o sistema penitenciário do
Ceará é muito vulnerável, há risco de rebeliões e novas chacinas de grande
vulto. É, portanto, uma situação que deve pôr o sistema penitenciário e de
segurança pública em alerta", diz.
O UOL solicitou entrevistas, na
terça-feira (20/02) e quarta-feira (21), à Secretaria de Segurança Pública e à
Polícia Civil, mas não obteve retorno.
Na segunda-feira (19), o secretário de
Segurança Pública do Ceará, André Costa, disse que o Estado está sendo modelo
no plano nacional de atuação contra as organizações criminosas.
"O problema dessas facções
ultrapassa as divisas dos Estados. Nenhum Estado de forma isolada vai combater
[facções]. É necessária a participação da União e suas polícias e estamos aqui
para criar um projeto-piloto", afirmou Costa ao receber a
força-tarefa federal que vai atuar na investigação desses grupos no Estado.
(Carlos Madeiro. Colaboração para o UOL,
em Maceió)
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