Do G1
Termina nesta segunda-feira (23/04) o
prazo de validade da medida provisória que regulamenta pontos da nova lei
trabalhista, em vigor desde novembro do ano passado.
Especialistas ouvidos pelo G1 divergem
sobre o que será feito com os contratos firmados durante os mais de cinco meses
de vigência da medida provisória.
Medidas provisórias têm força de lei ao
serem editadas pelo governo, mas deixam de vigorar se não forem votadas pelo
Congresso dentro do prazo de validade.
Como o Congresso não votou, as
alterações que a MP introduziu não terão mais efeito.
Veja
abaixo o ponto a ponto do que muda sem a medida provisória.
A medida provisória foi editada pelo
Palácio do Planalto em novembro do ano passado, após negociações para que o
texto da reforma trabalhista fosse aprovado com rapidez no Senado.
Um acordo articulado pelo líder do
governo, senador Romero Jucá (MDB-RR), previu a edição pelo governo da MP,
contendo as mudanças defendidas pelos senadores na reforma trabalhista.
Em troca, os senadores aprovaram o texto
da reforma sem modificações, que, se fossem feitas naquele momento, exigiriam o
retorno da proposta à Câmara para nova apreciação pelos deputados e atrasariam
a entrada em vigor da nova lei.
Entre especialistas, há quem defenda que
o Congresso aprove um decreto legislativo para determinar o que acontecerá com
os contratos de trabalho firmados durante a vigência da MP.
“O Congresso deveria disciplinar os efeitos
da medida provisória que não se converteu em lei. Por exemplo: dizer que os
contratos celebrados durante a vigência permanecem válidos ou que terão de ser
adaptados à nova lei trabalhista ou extintos”, opinou o advogado
Estêvão Mallet, professor de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo
(USP).
Técnicos do Congresso afirmam que o
Legislativo pode – mas não é obrigado – votar um decreto quando uma medida
provisória desse tipo perde a validade.
O advogado Carlos Eduardo Vianna Cardoso
considera que, sem uma normatização, as controvérsias desaguarão na Justiça do
Trabalho.
Na interpretação da advogada Ester
Lemes, o que deve prevalecer são as regras previstas antes da edição da MP, e a
situações em que houver impasse acabarão sendo levadas aos tribunais do
trabalho.
Ao Blog do Camarotti, o ministro do
Trabalho, Helton Yomura, afirmou que buscará compensar o fim da vigência da
medida provisória com a edição de um decreto e também de outros instrumentos,
como portarias ou projetos de lei.
"O que puder fazer por decreto,
vamos fazer. O que não puder, estudaremos o ambiente legislativo. Não devemos
juntar numa medida só, até para ter uma viabilidade", disse
Yomura.
Para analisar a nova legislação
trabalhista e sua aplicação, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) criou uma
comissão, que ainda não concluiu suas atividades.
O
QUE DEIXA DE VALER
Entre as regras previstas na MP que
deixam de valer, estão pontos relacionados ao trabalho intermitente, de
gestantes e lactantes em locais insalubres, de autônomos, além de regras para
jornada de 12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de descanso.
Veja a seguir as regras que perdem
validade e o que os especialistas dizem sobre cada uma:
CONTRATOS
ANTERIORES À NOVA LEI
Texto
original da reforma
- A reforma trabalhista não estabelecia que as novas regras valeriam para
contratos firmados anteriores à entrada em vigor da lei.
Alteração
feita pela MP
- A medida provisória previa que a nova lei se aplicaria integralmente para
contratos que já estavam vigentes.
Esse trecho perde a validade.
Para Estêvão Mallet, a queda da MP não
impede que algumas regras da nova lei trabalhista se apliquem aos contratos
vigentes, desde que direitos adquiridos sejam respeitados.
“Podem até valer, mas ressalvados o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”, explicou.
O advogado Maximiliano Garcez,
representante da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas no
Brasil, diz que a retroatividade é “inconstitucional” e fere a Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT).
Para o procurador do Ministério Público
do Trabalho Paulo Joarês, sem a MP, o argumento de que as novas regras não
valem para os contratos anteriores à lei fica “mais forte”.
“Se precisou de uma MP dizendo que se
aplicava aos contratos antigos, é porque, pela lei, não deve se aplicar. Será
preciso esperar os tribunais superiores adotarem uma posição”, afirmou.
JORNADA
DE 12 POR 36 HORAS
Texto
original da reforma
- A reforma trabalhista criou a possibilidade de jornadas de 12 horas de
trabalho seguidas de 36 horas de descanso serem negociadas diretamente entre
empregador e empregado por acordo individual escrito.
Alteração
feita pela MP
- A MP restringia essa possibilidade a empresas e trabalhadores do setor de
saúde.
Para as demais categorias, a medida
exigia que a negociação fosse feita por meio de convenção ou acordo coletivo de
trabalho.
Segundo o advogado trabalhista Carlos
Eduardo Cardoso, com a perda da validade da proposta, passa a valer a regra
inicial.
“O que vale é o que está na reforma
trabalhista – acordo individual e para qualquer setor. Agora, existe aí uma
discussão jurídica sobre o cabimento da aplicação dessa regra geral porque
contraria alguns argumentos relacionados à segurança do trabalho. Acredito que
essa matéria ainda vai ser alvo de bastante discussão”, afirmou
Cardoso.
GRÁVIDAS
E LACTANTES
Texto
original da reforma
- A nova legislação também alterou regras para o trabalho de gestantes e
lactantes em locais insalubres.
A reforma determinou que, no caso de
gestantes, o afastamento do local de trabalho só será obrigatório em casos de
atividades com grau máximo de insalubridade.
Em locais de insalubridade média e
mínima, a lei permitiu o trabalho de grávidas, a não ser que sejam apresentados
atestados médicos.
Lactantes serão afastadas de atividades
insalubres em qualquer grau se apresentarem atestado médico recomendando o
afastamento no período.
Alteração
feita pela MP
- A MP estabelecia o afastamento da grávida de qualquer atividade insalubre
enquanto durar a gestação – o padrão deixaria de ser a permissão para o
trabalho e passaria a ser o afastamento.
Mas o texto da medida provisória abria a
possibilidade de a gestante trabalhar em locais de graus médio ou mínimo de
insalubridade, desde que, voluntariamente, apresentasse atestado médico que
autorizasse a atividade.
Antes da reforma trabalhista, as
trabalhadoras grávidas eram obrigatoriamente afastadas de locais insalubres,
independentemente do grau de insalubridade.
No caso da lactante, tanto a reforma
quanto a MP previam a necessidade do atestado para permitir o afastamento,
sendo o trabalho da lactante autorizado inclusive no caso de atividades com
insalubridade máxima.
Para o advogado trabalhista e professor
da Fundação Getúlio Vargas Paulo Sérgio João, a MP era “desnecessária” nesse
ponto, uma vez que, na avaliação dele, trata-se de uma questão de “bom senso”
do empregador.
“Nenhum empregador em sã consciência vai
permitir trabalho [de gestantes e lactantes] em local insalubre. Acho que a lei
não forma cultura. Não é razoável, se a atividade é insalubre, que a empregada
continue trabalhando. Isso vai se ajustar, as pessoas terão responsabilidade
sobre seus atos”, opinou.
Para a advogada Ester Lemes, no entanto,
a possibilidade de trabalho em local insalubre é “grave”.
“Sem a MP, as grávidas poderão ser dirigidas
para qualquer local de trabalho, inclusive insalubres [de graus médio e
mínimo]. Um ponto grave, porque, se ela se recusar, ela vai ser advertida? Vai
ser suspensa? Vai ser demitida?”, questionou.
Maximiliano Garcez também criticou a
mudança promovida pela lei, que chamou de “grotesca”.
“Essa questão das gestantes e lactantes é uma
das questões mais grotescas, fere a dignidade da pessoa humana”,
declarou.
AUTÔNOMO
E EXCLUSIVIDADE
Texto
original da reforma
- A reforma trabalhista criou a possibilidade de cláusula de exclusividade para
a contratação de trabalhadores autônomos.
Alteração
feita pela MP
- A medida provisória proibiu a cláusula, mas, como vai perder a validade, a
possibilidade de cláusula de exclusividade vai voltar a valer.
Na avaliação da advogada Ester Lemes, a
exclusividade “cairá em desuso”.
“É muito complicado, porque uma pessoa não
pode ser exclusiva e não ter um vínculo. A partir do momento que é exclusivo,
passa a ser subordinado à empresa”, opinou.
Para Estêvão Mallet, nesse ponto, a
medida provisória era “desnecessária”.
“Sem a MP, fica mais claro – pode haver
exclusividade”, disse.
A nova lei trabalhista também prevê que
o autônomo não tem a qualidade de empregado, mesmo que preste serviço a apenas
uma empresa.
DANO
EXTRAPATRIMONIAL
Texto
original da reforma
- A nova lei trabalhista estabeleceu critérios para reparos de danos morais, à
honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde,
lazer e à integridade física.
Pelo texto aprovado da reforma, o
pagamento de indenizações dessa natureza vai variar de 3 a 50 vezes o último
salário recebido pelo trabalhador ofendido.
Alteração
feita pela MP
- A medida provisória mudava o padrão para o pagamento de indenizações.
A proposta estabelecia que o valor
poderia variar de 3 a 50 vezes o teto do benefício pago pelo Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS) – atualmente em R$ 5,6 mil.
O valor, de acordo com a MP, variaria
conforme a natureza da ofensa, de leve a gravíssima.
Como a medida vai perder a vigência, a
base de cálculo voltará a ser o último salário recebido pelo trabalhador
ofendido.
Para a especialista Ester Lemes, o texto
da MP era melhor nesse aspecto porque gerava menos distorções.
“Por exemplo: em uma empresa, temos um
diretor que ganha R$ 10 mil e uma outra empregada que ganha R$ 2 mil. O diretor
receberá uma indenização maior do que a empregada que recebeu o mesmo dano.
Situações iguais com valores diferentes”, comparou.
Estevão Mallet concorda que o texto da
MP era melhor, mas, para ele, o parâmetro deveria considerar uma série de
fatores.
“Uma conjugação que levasse em conta o
salário, a condição econômica, vários outros fatores, se há reincidência ou se
não há reincidência, se é uma lesão que permite reparação ou não”,
afirmou.
“Sem a MP, volta a regra antiga, o que
prejudica trabalhadores que ganham pouco”, disse o procurador Paulo
Joarês.
“É
um absurdo. A MP realmente melhorava. Agora, quem ganha mais tem um valor de
dignidade maior do que quem ganha menos”, criticou o advogado Paulo Sérgio
João.
REPRESENTAÇÃO
DOS EMPREGADOS
Texto
original da reforma
- Pela reforma trabalhista, no caso de empresa com mais de 200 empregados, pode
ser eleita uma comissão para representar o conjunto de trabalhadores em
negociações com empregadores.
Alteração
feita pela MP
- A medida provisória assegurava que a comissão não substituiria a função do
sindicato de defender os direitos e os interesses da categoria, o que reiterava
a participação dos sindicatos em negociações coletivas de trabalho.
Carlos Eduardo Cardoso disse que a
inclusão que a MP pretendia fazer era para agradar sindicalistas em troca de
apoio à reforma, mas que, na prática, não produziria efeitos.
Estêvão Mallet lembra que a
representação dos trabalhadores é uma prerrogativa dos sindicatos que está na
Constituição.
“A nova lei trabalhista não pode transferir
essa representação para a comissão”, avaliou.
TRABALHO
INTERMITENTE
Texto
original da reforma
- A reforma trabalhista incluiu, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a
modalidade de jornada intermitente, em que o trabalho não é contínuo e a carga
horária não é fixa.
Pela proposta, o empregador deverá
convocar o empregado com pelo menos três dias de antecedência.
A remuneração será definida por hora
trabalhada e o valor não poderá ser inferior ao valor da hora aplicada no
salário mínimo.
O empregado terá um dia útil para
responder ao chamado.
Depois de aceita a oferta, o empregador
ou o empregado que descumprir o contrato sem motivos justos terá de pagar à
outra parte 50% da remuneração que seria devida.
Alteração
feita pela MP
- A MP excluiu a multa de 50% da remuneração em caso de descumprimento
contratual.
E estabeleceu que empregador e trabalhador
intermitente poderiam fixar em contrato o formato da reparação no caso de
cancelamento de serviço previamente agendado.
Como a MP vai perder a validade, a multa
voltará a existir.
A MP também estabelecia que, até 31 de
dezembro de 2020, o empregado demitido que foi registrado por meio de contrato
de trabalho por prazo indeterminado não poderá prestar serviços para o mesmo
empregador por meio de contrato de trabalho intermitente pelo prazo de 18 meses
a partir da data da demissão do empregado.
Com a queda da MP, essa quarentena
deixará de existir.
Para Estêvão Mallet, a multa é um
“exagero” da reforma trabalhista.
“É uma sanção muito exagerada e muito
desproporcional, que a medida provisória eliminava”, declarou.
Apesar disso, ele acredita que, na
prática, serão raras as vezes em que a cobrança da multa vai acontecer.
“Acho difícil que um empresário contrate um
advogado, acione a Justiça para receber um valor irrisório da multa, por
exemplo, R$ 80. Acho que a intenção do legislador era gerar um efeito
pedagógico. Mas, na prática, se um trabalhador não aparecer para trabalhar, o
que vai acontecer é que ele não será mais convocado por aquela empresa”,
projetou.
Segundo Ester Lemes, a MP trazia uma
"segurança maior" para os empregados porque a empresa não poderia
demiti-los e contratá-los imediatamente como intermitentes.
"Com a MP, tinha uma carência para
recontratar de 18 meses. Agora, poderão demiti-los e contratar diretamente como
intermitentes”, explicou.
Para o procurador Paulo Joarês, sem a MP,
há uma “insegurança muito grande” para o trabalhador intermitente.
“O governo terá que fazer algum decreto para
tentar regulamentar isso”, avaliou.
DECRETO
Na última sexta-feira (20), a Casa Civil
informou que o governo federal avalia regulamentar pontos da reforma
trabalhista por meio de decreto, já que a medida provisória perderá a validade.
Segundo o ministro-chefe da Casa Civil,
Eliseu Padilha, o governo não pretende no momento publicar uma nova MP para
ajustar a reforma.
“Não está em nossas previsões”, disse
ao G1.
Segundo o deputado Rogério Marinho
(PSDB-RN), relator da reforma trabalhista na Câmara, um dos pontos que devem
ser regulamentados pelo decreto é a jornada intermitente.
Enquanto isso, parlamentares contrários
à reforma trabalhista preparam projetos para “preencher as lacunas legislativas” geradas pela nova lei.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS)
disse que apresentará nesta terça-feira (24) um projeto de lei sobre o trabalho
da empregada gestante e lactante em ambientes insalubres.
O senador Paulo Paim (PT-RS) também
prepara projetos para modificar a nova lei trabalhista.
“A medida provisória foi para inglês ver. O
governo não tinha nenhum interesse em melhorar a legislação. Derrota para o
trabalhador”, afirmou.
O líder do governo no Senado, Romero
Jucá (MDB-RR), tem dito que o Palácio do Planalto cumpriu a palavra e editou a
medida provisória.
Ele disse ainda que, se o texto da MP
não prosperou no Congresso, a “responsabilidade” não era do governo.
(Por Fernanda Calgaro, Gustavo Garcia,
Alessandra Modzeleski, Lais Lis e Guilherme Mazui, G1, Brasília)
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