O Primeiro Comando da Capital (PCC)
criou uma espécie de código penal para disciplinar seus membros.
Chamado de “cartilha”, ele reúne
delitos como “ato de malandrismo”, “mão na cumbuca”, “abandono
de responsa” e “falta de visão” ou “sem
noção”.
As punições para os integrantes da
facção que incorrem nessas condutas vão desde a suspensão de 90 dias da facção
até a exclusão.
A revelação está na denúncia do
Ministério Público Estadual da Operação Echelon, a que o Estado teve acesso.
Feita pelo promotor Lincoln Gakiyya, ele
acusa 70 homens e 5 mulheres de formar uma organização criminosa.
Deflagrada em 14 de junho, ela cumpriu
mandados de busca e de prisão em 14 Estados e mirou o setor da facção
responsável por controlar o PCC fora de São Paulo: a Sintonia dos Estados e
Outros Países.
As interceptações telefônicas feitas
pelos investigadores mostram que um novo setor da facção, o “Livro Negro”,
cuida do registro de casos de descumprimento da “cartilha” e do “cadastro de
inadimplentes”, espécie de Serasa do PCC.
A Lista Negra faz o controle dos
excluídos da facção e dos membros que não estão em dia com a mensalidade de R$
950 cobrados de quem está em liberdade.
Além de ser julgado administrativamente,
o integrante da organização em falta com o PCC é submetido ao tribunal do
crime.
As interceptações mostram ainda que
Laudemir Costa dos Santos, o Dentinho, seria o responsável por manter o Livro
Negro.
Ele usava uma linha de telefone celular
da região de Santos (SP) para controlar o setor.
Em cada Estado, os chefes do grupo
montaram também listas regionais.
No Paraná, por exemplo, o responsável
pelo setor seria Jonathan Henrique Santiago, o José PR, preso em Londrina (PR).
As interceptações telefônicas feitas
pela inteligência policial mostram, segundo a denúncia, que Dentinho “tinha
liderança’ sobre os demais interlocutores, pois informa que é responsável por
um setor de ‘última instância’ e não pode ficar perdendo tempo, devendo ser
acionado somente em último caso”.
Foi assim que no dia 6 de novembro de
2017, ele conversa com outro integrante da facção, que tinha dúvidas sobre as
punições para cada tipo de conduta existente na cartilha.
Dentinho afirma que tem a “cartilha” no
WhatsApp e vai consultá-la para esclarecer o colega sobre delitos e penas.
Na conversa que se segue, cita doze
tipos de condutas e punições impostas.
A principal dúvida de seu interlocutor é
saber quando o faltoso que é excluído da facção pode retornar ao grupo.
DEMITIDO
Em 5 de outubro de 2017, Dentinho
conversa com outros integrantes da facção sobre o traficante Dudu, cujo caso
estava sob análise por não ter pago à facção a droga que ele vendeu.
Dudu alegou que não “havia
recebido de quem havia pego (sic) a mercadoria”.
Foi advertido de que isso não fazia
diferença, pois a dívida era “com a família”.
Dudu foi informado que seria excluído –
sem prejuízo de outra punição disciplinar –, mas com possibilidade de retorno.
“Você está sendo excluído do Primeiro Comando
da Capital, mas o Comando não vai virar as costas para você e não é para você
virar as costas para o Comando.”
Dentinho diz que a “família não vai trazer problema”
para Dudu e ele “não deve trazer problema para a família”.
A exclusão seria a partir do dia 5 e
Dudu teria 20 dias para saldar a dívida e voltar ao grupo.
Em outro caso, no dia 8 de novembro de
2017, Dentinho fiscaliza a punição de um integrante da facção acusado de “mão
na cumbuca” e “mentira”.
A punição para o preso conhecido como RD
é apanhar de pé, sem gritar, dentro de sua cela.
Se cair, a pancadaria para, mas o
detento não pode “meter o louco” e fingir que caiu, que aí o espancamento não
vai terminar.
A cartilha diz que nesses casos o preso
deve apanhar do “pescoço para baixo”, além de ser excluído.
A interceptação mostra os sons da surra
em RD.
Quem bate é o preso conhecido como
Terrorista, sob a fiscalização de outro detento – Betinho.
“Não efetue cobrança na qual o parceirão vai
estar deitado ou caído, espera ele levantar, a partir do momento que Betinho
mandar parar, você pare na hora”, diz Dentinho.
REGIME
DISCIPLINAR:
- Ato de incerteza
Exclusão e cobrança disciplinar.
- Ato de malandrismo (malandragem)
Exclusão sem retorno e a cobrança fica a
critério do prejudicado.
- Atitude isolada
Cabe retorno após exclusão, como no caso
de agressão.
Não se aplica em caso de homicídio.
- Ato de abandono
Exclusão sem possibilidade de retorno.
- Abandono de responsa
Exclusão com possibilidade de retorno
após 2 anos.
- Chantagem
Exclusão e retorno depende da chantagem
usada.
- Descumprimento da palavra
Exclusão e retorno a critério do credor.
- Desrespeito à sintonia (comando da
facção)
Exclusão com possibilidade de retorno
após dois anos.
- Falta de visão (sem noção)
Suspensão de 90 dias.
- Mão na cumbuca
Exclusão com cobrança disciplinar
(espancamento ou morte).
- Mentira
Exclusão ou suspensão.
(De Marcelo Godoy/O estadão)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.