quarta-feira, 21 de agosto de 2019

DE 1º VIOLÃO A PIJAMA, FÃ E AMIGO GUARDA 5 MIL OBJETOS DE RAUL SEIXAS

Há 30 anos o produtor musical Sylvio Passos se dedica a preservar em São Paulo o maior acervo que se tem conhecimento sobre Raul Seixas, morto no dia 21 de agosto de 1989 na capital paulista.
São aproximadamente 5 mil objetos pessoais daquele que é considerado o "pai do rock brasileiro"
 Sou detentor do maior acervo de itens pessoais do Raul, que o próprio Raul me deu. A mãe do Raul me deu”, diz Sylvio, de 56 anos, que de fã se tornou amigo do ídolo.
Sylvio tinha 17 anos quando conheceu o baiano Raul na capital paulista, em 1981.
Queria contar a ele que criou o primeiro fã-clube para o músico. Teve a autorização do artista e, desde então, é presidente do Raul Rock Club.
Atualmente, ele também é detentor de tudo o que se possa imaginar que pertenceu ao astro: do primeiro violão que o cantor ganhou em Salvador, aos 9 anos de idade, até o pijama listrado que Raul usava quando foi encontrado morto, no apartamento onde morava no Centro da capital paulista.
Colete de 'Gita'
Outros itens emblemáticos da coleção sobre Raul são: a certidão de nascimento, o passaporte, a letra de "Gita" escrita à mão numa folha de papel e o colete usado no videoclipe da música para o Fantástico em 1974.
Nada disso é produto para estar à venda. Isso aqui é para ser preservado num memorial. Faz parte da história do povo brasileiro. Faz parte da música popular brasileira”, diz Sylvio, que costuma realizar exposições públicas das peças.
Meu desejo, meu sonho maior é que esse acervo todo fique em algum local, algum espaço cultural. Para que as pessoas possam ir lá pesquisar, visitar”.
Raul tinha 44 anos quando morreu sozinho num quarto do Edifício Aliança, na região central de São Paulo.
Ele teve uma parada cardíaca decorrente de uma pancreatite aguda.
Além de alcoólatra, o cantor e compositor tinha diabetes e outras doenças que debilitaram sua saúde.
'Raulseixismo'
Nesta quarta-feira (21/08) sua morte será lembrada com alegria pelos 'raulseixistas', como se definem os devotos mais fanáticos do ídolo.
Desde que Raul morreu, fãs se reúnem 'religiosamente' todo dia 21 de agosto, por volta das 12h00, em frente ao Theatro Municipal, no Centro de São Paulo.
Pessoas sozinhas ou em grupo, famílias, crianças.
Cada um com sua convicção política e até ideológica.
Mas todos concentrados em torno do 'raulseixismo', estilo de vida seguido pelos fãs que enxergam Raul como uma espécie de 'messias'.
Não faltarão ainda os inúmeros covers do cantor.
Eu vou morrer defendendo o Raul, defendendo o 'raulseixismo'”, fala Sylvio.
Você ser 'raulseixista', você não é de esquerda, você não é de direita, você não é de centro. Você é você mesmo”, explica Kaká Moraes, dono do Bar do Raul.
O estabelecimento comercial de Kaká, na Rua Augusta, Centro de São Paulo, tem uma estátua do tamanho de Raul, algo em torno de 1,70 m, logo na entrada.
Essa estátua hoje, ela virou um símbolo, um símbolo no meio do 'raulseixismo'”.
Para os fãs, Raul é um tipo de 'profeta' desses 'malucos-beleza' no universo 'raulseixista'.
Usando tatuagens, roupas, coturnos, coletes, camisetas, óculos escuros e boina alusivos ao astro eles sairão em passeata até a Praça da Sé, também no Centro da cidade.
Lá estão previstos shows musicais.
Com a morte dele, essa passeata tornou-se uma coisa religiosa. Existe uma aura messiânica em torno do Raul”, acredita Sylvio, que até se arrisca a estimar o público que estará presente. “Não vem menos do que 5 mil pessoas. Pode estar fazendo sol, chuva, caindo meteoros, a galera está lá. Vem gente do Brasil inteiro para cá, inclusive fora do país”.
Qual som vai rolar na passeata? ‘Toca Raul’, é claro.
Não faltará repertório.
São mais de 400 composições e 40 discos atribuídos ao artista.
'Anarkilópolis'
Uma dessas músicas é "Anarkilópolis" (1984), que conta a história de um homem que chega numa cidade para acabar com a criminalidade.
Ela foi composta por Raulzito e Sylvícola, como ambos se chamavam.
"Anarkilópolis" também é conhecida como "Cowboy Fora da Lei nº 2" por causa do refrão:
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora da lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar pra história é com vocês
'Toca Raul'
O ‘toca Raul’ me parece que começou... Tem uma lenda que diz no dia 22 de agosto de 1989, tinha um morador de rua louco pelo Raul. Quando estava no velório do Raul em Salvador, quando desceu o caixão, o maluquinho saiu gritando pelo cemitério: ‘toca Raul, ‘toca Raul!’ Desde então parece que isso começou a replicar em bares, rodinhas de violão na praia, e tomou conta do mundo”, lembra Sylvio, entre risos.
Todo mundo já deve ter ouvido a expressão ‘toca Raul' em algum momento da vida.
Ela já foi dita, por exemplo até no show do ex-Beatle Paul McCartney, durante o momento em que ele cantava uma música em Londres.
No Bar do Raul, o que mais se tem é ‘toca Raul'.
Aparece até mesmo no nome da jukebox personalizada com fotos do cantor.
Não é preciso nem perguntar o que a máquina toca...
A gente não pode ficar mais de uma hora sem ouvir Raul porque nós estamos aqui num templo 'seixista'”, explica Kaká, que mostra um mural com letras de músicas e pensamentos do ídolo em meio a fotos dele na parede.
'Sociedade Alternativa'
Mais adiante, no mural, estão imagens de Elvis Presley, Chuck Berry, Beatles e outros astros da música idolatrando Raul.
Ele aparece no centro da tela, perto da chave símbolo da ‘Sociedade Alternativa’, nome de uma composição do brasileiro, que lhe rendeu um autoexílio nos Estados Unidos durante os anos 1970.
A ditadura militar no Brasil achou que o manifesto que Raul lia durante a canção ‘Sociedade Alternativa’ era um plano para criar um grupo subversivo ou algo assim. Após ser preso com Paulo Coelho, seu parceiro na letra, ele se mandou para fora por um tempo e depois voltou ao Brasil", lembra Sylvio, entoando o trecho: “faça o que tu queres, pois é tudo da lei”.
Raul ensinou para o Brasil o que era valentia. O que era não se dobrar às coisas da sociedade, que a sociedade impõe. A 'Sociedade Alternativa’ era justamente isso”, analisa o jornalista Tiago Bittencourt, autor de 'Raul Que Me Contaram’.
(Do G1)

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