Foto: Celso Tavares - G1 |
*Processo é causado pela ação humana e por mudanças climáticas.
Único bioma exclusivamente brasileiro, a
caatinga sofre.
O famoso chão rachado faz pensar num
ambiente onde a terra dá pouco e pede muito das pessoas que vivem ali.
Mas é a própria ação humana que tem
colocado a caatinga em risco.
A ponto de, em algumas áreas, a situação
chegar a um estágio quase irreversível: a desertificação.
De acordo com estimativas do Laboratório
de Análise e Processamento de Imagens e Satélites (Lapis), ligado à
Universidade Federal de Alagoas (Ufal), 12,85% do semiárido brasileiro enfrenta
o processo de desertificação.
Ou seja, considerando uma área total de
982.563,3 km² dessa região, 126.336 km² estão se transformando em deserto –
conforme monitoramento realizado entre 2013 e 2017 e divulgado no início de
julho.
Esse território, que basicamente é o que
conhecemos como o sertão no Nordeste brasileiro, tem quase o tamanho da Grécia.
O cenário é ainda mais alarmante se
olharmos para as chamadas "áreas suscetíveis a desertificação" (ASDs)
do Nordeste brasileiro, nas quais o processo de formação de pequenos desertos
pode se instalar se os fatores contribuintes forem mantidos.
De acordo com o Ministério do Meio
Ambiente, elas constituem:
1.340.863
km²
(16% do território brasileiro) – equivalente às áreas somadas de França,
Alemanha, Itália e Holanda;
1.488
municípios
(27% do total do país);
Partes
dos 9 estados da região Nordeste e de 2 estados do Sudeste (Minas Gerais e
Espírito Santo);
31,7
milhões de habitantes
(17% da população brasileira);
85%
das pessoas
pobres do país.
Nesta série de reportagens do Desafio
Natureza sobre a desertificação, o G1
observou territórios degradados e preservados da caatinga, ouviu pessoas locais
sobre como a destruição do bioma pode afetar suas vidas, e acompanhou projetos
que tentam reverter a desertificação.
Abaixo, entenda o que é a desertificação
e por que ela ameaça a conservação da caatinga no Sertão nordestino.
O
QUE É A DESERTIFICAÇÃO?
É um dos processos mais graves de
degradação da terra.
Ela ocorre exclusivamente nas regiões
áridas, semiáridas e subúmidas secas do planeta, conforme a definição das
Nações Unidas (ONU).
A rigor, a degradação observada em
outras regiões, mais úmidas, não é desertificação.
Isso porque, nas regiões secas, o solo é
naturalmente mais frágil, com pouca água e pouca matéria orgânica (carbono).
A retirada da cobertura vegetal –
desmatamento – deixa a terra exposta ao sol e agrava a situação.
O solo fica rapidamente arenoso ou
rochoso. Sem nutrientes e sem água, é quase impossível que novos seres vivos se
estabeleçam.
A desertificação pode ser despertada por
vários fatores, especialmente os eventos climáticos e a ação humana.
Pode ser consequência da elevação das
temperaturas.
Mas também acentua seus efeitos, num ciclo vicioso.
De acordo com a Plataforma
Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços
Ecossistêmicos (IPBES), mais de 2,7 bilhões de pessoas são prejudicadas pela
desertificação em todo o mundo.
Outra estimativa, usada pelo Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) em relatório divulgado no
início de agosto, é de que 50% da caatinga passa por alguma forma de
degradação, inclusive a desertificação.
O dado se refere a 2005.
Cerca de 8% do território do Brasil
enfrenta algum tipo de degradação, sendo a caatinga o bioma menos preservado.
Oficialmente, os chamados "núcleos
de desertificação" são áreas onde o problema se manifesta de forma mais
acentuada no Nordeste brasileiro: Seridó (RN/PB), Cariris Velhos (PB), Inhamuns
(CE), Gilbués (PI), Sertão Central (PE), Sertão do São Francisco (BA).
NÃO
É A MESMA COISA QUE SECA
Segundo o pesquisador Aldrin
Pérez-Marin, do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), que estuda o problema
com indicadores de qualidade dos solos, 85% do semiárido brasileiro está em
processo de desertificação moderado e 9% está efetivamente desertificado.
Ou seja, nesses 9% identificados pelo
Insa, a reversão do processo é quase impossível.
Pérez-Marin ressalta que a
desertificação não é sinônimo de seca.
A seca é período do ano em que chove
pouco em algumas regiões do planeta. "É um fenômeno natural que ocorre em quase
metade da Terra, mais comum do que parece", diz.
Cerca de 60% de tudo o que chove em um
ano no semiárido cai em apenas um mês, acrescenta.
E 30%, num único dia.
As secas vêm ocorrendo no semiárido
brasileiro, em média, a cada 26 anos.
Porém, a tendência é que, no futuro,
haja uma redução da quantidade de chuvas e sua frequência seja mais variável.
Em outras palavras, chove, sim, no
sertão.
Mas as chuvas caem de uma só vez e
demoram pra voltar.
Quando chove pouco, temos uma longa
"estiagem" – ou "seca".
"A desertificação é um fenômeno
antrópico, causado pelo ser humano e pelo seu modelo de desenvolvimento.
Portanto, a desertificação é um fenômeno provocado (pelo homem)."
– Aldrin Pérez-Marin, do Insa
Adotada em 1994, uma convenção da ONU
estabeleceu alguns parâmetros para combater a desertificação no mundo, o que
também é uma das metas de desenvolvimento sustentável.
O Brasil é signatário da Convenção das
Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas
(UNCCD), junto a outros 192 países.
CAUSAS
NO NORDESTE BRASILEIRO
O desflorestamento é "o
principal algoz da caatinga", diz o coordenador do Lapis e
professor do Instituto de Ciências Atmosféricas (Icat), Humberto Barbosa.
"Não temos números precisos sobre
o desmatamento da caatinga, não sabemos as taxas anuais, e isso dificulta
implementar políticas públicas."
O levantamento do Lapis usa o sistema
alemão "EUMETCast" para monitorar a caatinga com dados de satélites
europeus.
Pesquisadores observam diariamente a cobertura vegetal no semiárido
brasileiro.
"Assim, podemos ter dados de alta
frequência temporal para o monitoramento de áreas afetadas por seca e degradação",
diz Barbosa, que é correspondente do IPCC no Brasil.
"Os dados áreas têm sido validados
com informações obtidas com drone."
O estudo mostra que o fenômeno da
desertificação se intensificou no semiárido brasileiro nos últimos 10 anos.
"Até hoje a caatinga é pressionada
pelo extrativismo. E nos últimos 10 anos houve fortes secas, como em 2012 a
2016, exercendo grande pressão climática na região. Isso acelerou os processos
causados pelo ser humano." – Humberto Costa, do Lapis.
As intervenções humanas mudam os padrões
locais de temperatura e chuva. O desmatamento da caatinga ocorre principalmente
por meio de:
COMO
CONTER A DESERTIFICAÇÃO
Para conter a expansão da desertificação
na caatinga é preciso controlar os impactos da ação humana e manter algumas áreas
preservadas, em pequenos territórios protegidos ou mesmo em Unidades de
Conservação (UCs).
Isso também demanda um grande esforço de
conscientização da população local, para que compreenda as consequências do
desmatamento da caatinga.
Uma das principais atividades econômicas
no sertão brasileiro, a criação de caprinos e ovinos soltos na caatinga precisa
ser conciliada com a conservação do ambiente natural.
Área desertificada em Canudos/BA. Foto: Celso Tavares - G1 |
Técnico agrícola e sócio fundador do
Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), José Moacir dos
Santos trabalha junto aos pequenos produtores promovendo um manejo mais
adequado das áreas em risco de desertificação.
Foto: Celso Tavares - G1 |
"A retirada de madeira para lenha,
para estaca, para construção, e as queimadas para fazer roça de pasto ou,
simplesmente, para queimar os cactos e dar de comer aos animais, ajudaram a
provocar a desertificação", recorda Santos.
"A desertificação existe sim, mas
não são grandes áreas contínuas. Na verdade, é exatamente onde o ser humano
desenvolveu alguma atividade, de pecuária ou de agricultura, que o problema
está mais evidente." – José Moacir dos Santos, do IRPAA.
Outra parte do desafio de conter a
desertificação é que, numa área desertificada, a recuperação do solo não
acontece naturalmente. No semiárido, as chuvas são pouco distribuídas ao longo
do ano, e reverter a degradação é mais difícil do que em biomas de clima mais
úmido, como a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica.
O coordenador do Centro de Conservação e
Manejo de Fauna da Caatinga, Luiz Cesar Pereira, explica que o processo natural
de "sucessão da vegetação" que ocorre em outros biomas não é tão
fácil de ser retomado na caatinga.
Foto: Celso Tavares - G1 |
"Na Mata Atlântica e na Amazônia,
as primeiras famílias de plantas, leguminosas e euforbiáceas, colonizam o solo
num processo natural. Elas dão condições para que outras famílias cheguem. Mas,
na caatinga, por falta de umidade, isso não acontece da mesma forma",
conta Pereira.
"No processo evolutivo, as
espécies da caatinga se adaptaram ao clima daqui. Mas a evolução levou muito
tempo para montar esse sistema. Agora, nós chegamos aqui e, numa velocidade
muito rápida, eliminamos essas espécies [de animais e plantas] do sistema."
– Luiz Cesar Pereira, do Cemafauna.
Área preservada no Parque Nacional da Serra da Capivara. Foto: Celso Tavares - G1 |
Para recuperar áreas já degradadas da
caatinga, é preciso intervir e tentar trazer de volta os nutrientes do solo.
Aos poucos, as plantas nativas podem se
restabelecer, começando pelas rasteiras até as árvores, e atrair os animais.
Pássaros na Caatinga. Foto: Celso Tavateres - G1 |
As folhas e galhos secos são paisagem
típica no tempo de seca na caatinga.
Mas, quando chove onde há vegetação, o
sertão fica verde e floresce.
(DO G1 - Felipe Domingues)
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