No dia 30 de junho de 2011, em uma blitz
de rotina, policiais interceptaram um automóvel.
No interior do carro havia a quantia de
“81 mil reais”, junto a um papel com marcações de letras iniciais, que
indicariam que o dinheiro teria auxiliares do governo do Estado como
destinatários.
O episódio longínquo tem relação com uma
denúncia protocolada no Tribunal de Justiça, nesta quarta-feira (04/09), pelo
Ministério Público da Paraíba contra nove integrantes de uma suposta
organização criminosa.
Entre os destinatários do dinheiro
apreendido naquela operação, indicados pelas iniciais, estariam o
ex-procurador-geral do Estado, Gilberto Carneiro; a ex-secretária de
Administração, Livânia Farias; o irmão do ex-governador Ricardo Coutinho,
Coriolano Coutinho, e a ex-superintendente de Transportes e Trânsito de João
Pessoa, que depois passou a ocupar o cargo de secretária de Administração da
capital, Laura Farias.
A apreensão ocorreu nas proximidades do
viaduto Ivan Bichara, na BR-101, em João Pessoa, e houve esforço enorme das
autoridades para abafar o caso.
O episódio se perdeu no tempo em meio a
muitas idas e vindas até o arquivamento do inquérito policial, de forma
bastante suspeita.
O caso gerou até abertura de inquérito
no Ministério Público da Paraíba.
O fio condutor para elucidar tudo veio
apenas agora, oito anos depois, com a denúncia protocolada com base em
investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(Gaeco), do Ministério Público.
Veja a relação dos denunciados:
1. Bernardo Vidal Domingues dos Santos,
gestor do escritório Bernardo Vidal Advogados;
2. Gilberto Carneiro da Gama,
ex-procurador-geral do Estado;
3. Livânia Maria da Silva Farias,
ex-secretária de Administração do Estado;
4. Laura Maria Farias Barbosa,
ex-superintendente de Transportes e Trânsito de João Pessoa e depois passou a
ocupar o cargo de secretária de Administração da capital;
5. Coriolano Coutinho, irmão do
ex-governador Ricardo Coutinho;
6. Raymundo José Araújo Silvany,
ex-secretário Executivo de Segurança Pública;
7. Aracilba Alves da Rocha,
ex-secretária de Finanças do Estado;
8. Raimundo Nonato Costa Bandeira,
ex-secretário de Comunicação do Estado (retornou ao cargo na atual gestão);
9. José Vandalberto de Carvalho,
ex-assessor especial da Procuradoria-Geral do Município.
De acordo com a denúncia, aquela era uma
das remessas de propinas pagas por um escritório de advocacia a integrantes do
suposto esquema criminoso.
O esquema em questão era posto em
prática pelo escritório Bernardo Vidal Advogados, gerido por Bernardo Vidal
Domingues dos Santos.
O esquema girava em torno da promessa de
“recuperação de créditos tributários”.
A operação teria ocorrido entre 2009 e
2011, tendo como alvo a prefeitura de João Pessoa.
O problema é que entre a promessa de
recuperação do crédito e o fim do processo, restava apenas a dívida para o
erário.
Pelo esquema, o escritório notificava a
prefeitura sobre a existência de dívida a ser compensada com a Receita Federal,
considerando valores fictícios ou prescritos.
A compensação era lançada no GFIP (Guia
de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social).
A partir daí, mesmo sem o processo ser
finalizado, eram pagos os 20% dos honorários advocatícios.
“Em alguns casos, parte dessa verba
(honorários) é direcionada, em forma de ‘propina’, a agentes públicos
facilitadores da contração e/ou do processo de pagamento”, diz a denúncia.
De acordo com informações do Sagres
(Serviço de Acompanhamento da Gestão dos Recursos da Sociedade), do Tribunal de
Contas do Estado (TCE), a empresa recebeu R$ 7.7516.357,32 da Prefeitura de
João Pessoa entre 2009 e 2012.
O mesmo Bernardo Vidal é acusado de
comandar esquema semelhante de corrupção em vários estados.
Os casos foram denunciados pelos
Tribunais de Contas de Pernambuco, Rio Grande do Sul, Goiás, Bahia, Acre,
Sergipe, São Paulo e Maranhão.
A chegada da Bernardo Vidal Advogados à
prefeitura ocorreu por meio de inexigibilidade de licitação.
As
investigações apontam irregularidades no processo.
“Pois bem, nesse contexto, revela a
investigação que o município de João Pessoa também foi vítima da ação criminosa
de Bernardo Vidal Domingues dos Santos, em coautoria com os servidores públicos
Gilberto Carneiro da Gama, Livânia Maria da Silva Farias, Laura Maria Farias
Barbosa e Coriolano Coutinho, que ocasionou um dano superior a R$ 49.000.000,00
à Capital Paraibana”, diz a denúncia.
Para tanto, eles teriam fraudado
processos de inexigibilidade de licitação. Como ato contínuo, teriam
falsificado documentos, desviado recursos públicos e obtido vantagem indevida
em prejuízo do erário.
O contato inaugural para a contratação
dos serviços teria ficado a cargo de Gilberto Carneiro.
Coube a ele, segundo as investigações,
recomendar pessoalmente a Livânia a contratação dos serviços por meio da
Secretaria de Administração. Eles ficariam com 15% dos valores “indevidos”.
Em relação a Coriolano Coutinho, de
acordo com as investigações, ele teria integrado o esquema desde o início.
Os promotores dizem que apesar de na
época ele ocupar “o cargo em comissão de Superintendente da EMLUR, a parcela
que lhe cabia no montante da vantagem indevida fora negociada antecipadamente,
estando inserido, dessa forma, na cadeia de culpabilidade do delito de
corrupção por força da regra do concurso de pessoas, sendo, na divisão de
tarefas, responsável por receber diretamente do corruptor (ou de seus
mandatários) parte da vantagem financeira indevida”.
Há
denúncia de subtração de provas,
Após a apreensão do dinheiro em operação
policial, citada no início do texto, o grupo teria agido para apagar eventuais
provas.
A denúncia revela que Gilberto Carneiro
teria acionado José Vandalberto de Carvalho para comparecer à Secretaria de
Segurança e Defesa Social e se apresentar como representante do motorista.
O detalhe é que Vandalberto, na época,
ocupava cargo de assessor especial da Procuradoria-Geral do Município.
Coube a ele, no dia 4 de julho de 2011,
assinar o termo de entrega de objetos e documentos pertencentes ao motorista.
De acordo com as investigações, no mesmo
4 de julho, a então secretária de Finanças do Estado, Aracilba Rocha,
compareceu à Secretaria de Segurança, acompanhada de Livânia, e recolheu parte
do material apreendido pela polícia.
Entre eles, estavam documentos originais
e o celular do motorista.
O material deveria compor acervo
probatório do crime.
A cobrança feita por ela foi direcionada
ao delegado-geral da época e depois ao Secretário Executivo, Raimundo Silvany.
“Após conseguir seu intento, fruto de
decisão teratológica do denunciado Raimundo José Silvany, (Aracilba) tratou de
deixar o local levando consigo os documentos e o aparelho celular do portador
da propina. Sobre esse objeto havia um especial interesse e por isso não
integrou o acervo devolvido ao Increpado José Vandalberto, embora registrada
sua devolução no Termo de Entrega”, diz a denúncia.
O interesse no celular teria como
motivo, segundo o revelado por Livânia Farias em delação, deu-se porque o
condutor do veículo, proprietário do aparelho, o teria utilizado para contatar
Gilberto Carneiro logo após a abordagem da polícia civil.
“A descoberta desse evento certamente
deixaria exposto o liame entre o dinheiro e o referido denunciado, o que
causaria abalo grave na estrutura criminosa que se buscava camuflar”, diz outro
trecho da denúncia.
De posse do aparelho celular e dos
documentos, eles foram levados por Aracilba Rocha e Livânia para a sede da
rádio Tabajara.
Ali estando, elas teriam se encontrado
com o então Secretário de Comunicação do Estado, Nonato Bandeira, “a quem
entregaram os documentos originais e o aparelho celular para, dali em diante,
não se ter mais notícias do paradeiro dessas peças, sendo forçoso reconhecer
que tais documentos públicos foram suprimidos e ocultados em definitivo”.
(Por Suetoni Souto Maior – Jornal da
Paraíba)
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