Ao rejeitar o recurso especial de um
homem denunciado por matar a esposa estrangulada após uma festa, o ministro do
Superior Tribunal de Justiça Rogerio Schietti Cruz repudiou o argumento da
defesa segundo o qual a vítima teria adotado ‘atitudes repulsivas’ e
provocativas contra o marido, o que justificaria o reconhecimento de legítima
defesa da honra e a absolvição sumária do réu.
“Embora seja livre a tribuna e desimpedido o
uso de argumentos defensivos, surpreende saber que ainda se postula, em pleno
ano de 2019, a absolvição sumária de quem retira a vida da companheira por,
supostamente, ter sua honra ferida pelo comportamento da vítima”,
afirmou o ministro.
Para Schietti, “em um país que registrou, em
2018, a quantidade de 1.206 mulheres vítimas de feminicídio, soa no mínimo
anacrônico alguém ainda sustentar a possibilidade de que se mate uma mulher em
nome da honra do seu consorte”.
De acordo com o processo, durante uma
festa, a vítima teria dançado e conversado com outro rapaz, o que gerou a ira e
despertou os ciúmes do marido, que estaria alcoolizado.
A mulher também teria dito que queria
romper o relacionamento.
Em casa, o homem pegou uma corda e laçou o pescoço da
esposa, matando-a por asfixia.
ATOS
PRIMITIVOS
Após a instrução processual, o
magistrado do caso determinou que o réu seja julgado no tribunal do júri pela
prática de homicídio qualificado – motivo fútil, asfixia, recurso que
dificultou a defesa da vítima e feminicídio.
A decisão foi mantida pelo Tribunal de
Justiça de Santa Catarina, que rejeitou o pedido de absolvição sumária com base
em legítima defesa da honra.
No recurso ao STJ, a defesa alegou que
as atitudes da vítima ao longo de muitos anos causaram danos graves à honra do
marido, deixando-o abalado psicologicamente e fazendo despertar a impulsividade
e a violenta emoção que levaram à prática de ‘atos primitivos’.
Ainda segundo a defesa, ‘muito embora a materialidade do crime e a
autoria sejam indiscutíveis, haveria uma causa excludente de ilicitude, na
modalidade legítima defesa da honra’.
Por isso, pediu o reconhecimento dessa
excludente e, consequentemente, a reforma da decisão que mandou o réu ao júri.
Subsidiariamente, a defesa pleiteou que,
antes do julgamento popular, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina pudesse
analisar seus pedidos de afastamento das qualificadoras do crime de homicídio e
de diminuição de pena com base no artigo 121, parágrafo 1.º, do Código Penal.
TESE
ESDRÚXULA
O ministro Rogerio Schietti observou que
razões processuais impedem o conhecimento do recurso (Súmula 182 do STJ).
Ainda assim, ele lembrou que, pelo menos
desde 1991, o tribunal refuta com veemência a tese de legítima defesa da honra
como fundamento para a absolvição em casos de homicídio cometido pelo marido
contra a mulher.
“Não vivemos mais períodos de triste memória,
em que réus eram absolvidos em plenários do tribunal do júri com esse tipo de
argumentação”, afirmou Schietti.
O ministro se disse surpreso em ver que
esse tipo de fundamento ainda é sustentado pela defesa técnica em uma Corte
superior, como se a decisão judicial que afastou a ‘esdrúxula’ tese fosse
contrária à lei penal.
“Como pretender lícito, ou conforme ao
direito, o comportamento de ceifar covardemente a vida da companheira,
simplesmente porque ela dançou com outro homem e porque desejava romper o
relacionamento?”, questionou o ministro.
Schietti destacou que, segundo a
acusação, o réu esganou a vítima até ela morrer.
(Estadão Conteúdo)
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