"Eu gostaria que ele morresse."
Foram incontáveis vezes que essa frase foi ouvida pela psicóloga Artenira da Silva e Silva em seus 15 anos de atendimento a vítimas de violência doméstica.
Ditas pelas mulheres ao se referirem aos seus agressores, a fala pode ser uma demonstração de um tipo de transtorno conhecido como síndrome da mulher espancada.
"É quando a vítima vivencia a violência doméstica e está em tamanho desespero que entende que só vai conseguir sobreviver e garantir a sobrevivência dos filhos se o agressor morrer", explica Artenira, pós-doutoranda em Direitos Humanos pela UFP (Universidade Federal do Pará) e pesquisadora do mestrado em Direito da UFMA (Universidade Federal do Maranhão).
Isso não significa que ela vai acabar com a vida do marido, mas, sim, que não vê qualquer saída para sua situação.
"Elas vivem um sequestro emocional. Chegam aqui completamente descaracterizadas, sem perceber a própria identidade", diz.
TRANSTORNO SE DESENVOLVE POR ANOS
Presa em um ciclo de violência, a vítima vai desenvolvendo o transtorno ao longo dos anos de relacionamento e, muitas vezes, sem se dar conta que está sendo agredida — principalmente porque, apesar do nome do transtorno levar a palavra "espancada", essa agressão é, principalmente, psicológica.
"Leva um tempo pra entender que o exercício de comunicação com a mulher é uma forma de violência. Porque o agressor não quer se comunicar, ele visa depreciar, humilhar, controlar e exercer posse sobre a esposa", afirma Artenira.
"Isso é misturado com 'me perdoe', 'você é maravilhosa', 'você é a mulher da minha vida'. E isso confunde a mulher. Então ela fica presa num ciclo de dependência afetiva que oscila entre agredi-la e elogiá-la."
Segundo a pesquisadora, a mulher fica tão comprometida em termos de autoestima e capacidade de discernimento que passa a questionar o próprio comportamento.
"E como isso é reiterado e permanente, num primeiro momento o agressor é bem-sucedido em paralisar a vítima porque ela acaba se sentindo um lixo."
CONDIÇÃO É ARGUMENTO DE DEFESA EM PROCESSOS JUDICIAIS
Embora a síndrome da mulher espancada não tenha relação direta com uma possível reação da vítima, há casos em que o transtorno é usado como argumento para pedir absolvição em casos de violência contra o homem, justificada como uma reação aos traumas sofridos.
Essa é uma linha de defesa comum nos Estados Unidos e foi usada, recentemente, no processo da brasileira e cidadã americana Claudia Cristina Sobral Hoerig, que matou o marido em 2007.
O corpo dele foi encontrado na casa em que o casal vivia nos EUA, com perfurações de balas nas costas e na cabeça.
Mas a alegação não foi aceita: em fevereiro de 2019, ela foi condenada à prisão perpétua, com direito à liberdade condicional em 28 anos.
No Brasil, um caso similar ocorreu em julho de 2019, quando a dona de casa Cláudia Regina da Silva, 59, foi absolvida da acusação de matar o marido após sofrer 30 anos de agressões, entre elas queimaduras com ferro.
Ela o matou com um tiro na cabeça em novembro de 2007.
STRESS PÓS-TRAUMÁTICO É OUTRA CONSEQUÊNCIA DAS AGRESSÕES
Artenira explica que uma vítima de violência doméstica também pode desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático, sendo essa condição mais comum do que a da síndrome da mulher espancada.
"Todas que têm uma lesão na saúde emocional decorrente das agressões do companheiro me relatam que têm um sintoma físico, uma reação fisiológica em qualquer circunstância que lembre a situação original", diz a psicóloga.
"Por exemplo, quando ouve o nome do agressor, quando alguém tem uma atitude parecida com a dele ou até quando vê um carro parecido com o dele", relata a psicóloga.
Entre os sintomas, ela lista tontura, desmaio, sudorese de mão e de pé, corpo gélido e tremores, todos resultados de um trauma psicológico, muitas vezes negligenciado, segundo Artenira.
"Quando uma mulher leva um tapa do namorado ou marido, a revolta é pela humilhação, não pela dor isolada. Essas questões emocionais precisam ser tratadas por ter consequências muito graves."
(Por Camila Brandalise – De Universa/Uol)
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