O total de mortes diárias por covid-19 no País equivale à queda de três grandes aviões comerciais lotados, mas o número não choca mais.
De norte a sul, brasileiros descumprem
regras de isolamento social e voltam à rotina, em praias, restaurantes e
festas, como se estivessem à margem da tragédia mundial.
Embora a média oscile, o país está
próximo de mil mortos por dia desde o começo de junho.
Em média, grandes aviões comerciais
levam até 300 pessoas, entre tripulação e passageiros.
No último grande acidente aéreo no
Brasil, em julho de 2007 (o avião da TAM
que não conseguiu pousar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e bateu no
prédio). 199 pessoas morreram e houve comoção nacional.
Por que paramos de nos chocar com número
tão alto de perdas na pandemia?
Conforme o site Our World in Data, que acompanha a pandemia em tempo real pelo
mundo, o Brasil está na faixa das mil mortes diárias há seis semanas, desde
meados de junho.
Os Estados Unidos permaneceram nessa
condição por oito semanas, a partir de meados de abril.
Nenhum outro país ficou nesse patamar
por tanto tempo.
"É como se estivéssemos
anestesiados frente ao grande número de mortes", avalia o
sociólogo Rodrigo Augusto Prando, da Universidade Mackenzie.
"Depois de um período de crise,
todos clamam pela volta do normal e, até como sentido de autodefesa, a pessoa
para de olhar o número de mortes. Cansadas, tristes, chegam à conclusão de que
a vida tem de seguir, daí o termo novo normal. Estamos vivendo a normalidade
dentro da anormalidade".
Para o psiquiatra Daniel Martins de
Barros, professor da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do Estadão, os
brasileiros estão normalizando os óbitos.
"Não estou minimizando as mortes
por covid, mas todo dia no Brasil morrem mais de três mil pessoas por causas
diversas. São 100 mil óbitos, mais ou menos, por mês no País. É normal que as
pessoas morram. O susto da covid, o desespero que ela trazia, não era pelas
mortes na sociedade", aponta.
"O grande susto era o jeito que as
pessoas morriam, sem condições para serem atendidas por falta de vaga na UTI,
então morriam dentro de casa. Era o medo porque aconteceu em alguns lugares de
pessoas morrerem em casa, por medo de sair, porque não tinham assistência, etc.".
PODER
DA IMAGEM
Para o filósofo Roberto Romano,
professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a pandemia realça a
"tremenda ambivalência" humana.
"Temos ao mesmo tempo gestos
magnânimos, simpatias e heroísmo, mas também momentos de pequenez, egoísmo,
autossatisfação com a maldade, o prazer em fazer o mal", afirma.
"Essa duplicidade depende muito das condições de comunicação, visualidade
e proximidade do fato. Se um parente próximo estiver no Boeing que caiu, a
reação é de consternação, tristeza e até de revolta. Quando o fato não está no
campo visual, de percepção imediata, essa reação se torna cada vez mais tênue."
No caso da pandemia, explica, a notícia
das mil mortes é apenas um número.
"Você não vê aquilo acontecendo,
como os destroços de um Boeing, das Torres Gêmeas (atentado em Nova York, de
2001)", exemplifica.
Romano define a educação como elemento
fundamental para que a sociedade reaja de forma evoluída mesmo diante de uma
tragédia.
"Se você é educado para reagir de
maneira mais simpática, tende a rejeitar a criminalidade que está dentro de
você. Como disse (o filósofo grego) Platão, temos de ensinar aos jovens a
diferença entre a caça aos animais e ao ser humano. Se não tiver lei, educação
e ciência, você está em estado da natureza, um devorando o outro."
(Por Terra)
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