Eternizada em gritos de torcida, como o argentino "Brasil, decime qué se siente" e o brasileiro "Mil gols, só Pelé", a rivalidade entre os dois ídolos maiores do futebol dos países vizinhos atravessou décadas, alimentada pela imprensa esportiva.
Marcada por troca de farpas através das
páginas dos jornais, mas também por declarações de admiração mútua, a relação
entre os dois gênios da bola teve idas e vindas.
Nesta quarta-feira (25/11), em que
Maradona morreu aos 60 anos, prevaleceu o afeto.
"Que notícia triste. Eu perdi um
grande amigo e o mundo perdeu uma lenda", escreveu Pelé, em suas
redes sociais.
"Ainda há muito a ser dito, mas
por agora, que DEUS dê força para os familiares. Um dia, eu espero que possamos
jogar bola juntos no céu."
ORIGEM
DA RIVALIDADE
Estudiosos da história do futebol
divergem sobre as origens da rivalidade entre os jogadores.
"Até 1998, essa rivalidade não
existia. Na imprensa argentina, o Pelé era tratado indiscutivelmente como o
maior da história e Maradona como seu herdeiro", diz Ronaldo
George Helal, sociólogo e professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro), que estudou a cobertura da imprensa portenha das Copas do Mundo de
1970 a 2006.
Segundo o pesquisador, a rivalidade em
1982 – ano em que a Copa foi realizada na Espanha e a Itália foi campeã – era
entre Maradona e Zico.
E, mesmo em 1990, quando Pelé foi
colunista do Clarín durante a Copa daquele ano, o brasileiro era apresentado
pelo jornal argentino como "aquele
que foi o melhor da história do futebol".
Conforme Helal, a rivalidade entre os
jogadores ganha força com a eleição pela Fifa, em dezembro de 2000, do melhor
jogador do século XX.
Na disputa, Pelé venceu entre
especialistas escolhidos pela entidade.
Já Maradona foi o eleito no voto
popular, pela internet.
"Ao receber o seu prêmio, Pelé
convidou o rival para subir ao palco, mas ele havia ido embora, revoltado",
lembra o jornalista Alex Sabino, em reportagem da Folha de S. Paulo.
À
ESPERA DO MESSIAS
Para Celso Unzelte, jornalista da ESPN
Brasil e pesquisador da história do futebol, a rivalidade tem origens muito
mais remotas.
"Essa rivalidade vem desde antes
de o Maradona nascer", brinca Unzelte.
"Quando aparece no Brasil um
menino negro de 17 anos, ganhando a Copa do Mundo de 1958, os argentinos passam
a esperar o seu messias."
Segundo o jornalista, desde então, toda
vez que aparecia na Argentina um jogador habilidoso, ele era automaticamente
comparado a Pelé.
"A grande maioria naufragou",
recorda, lembrando ainda que, antes de Maradona, o ídolo brasileiro era
comparado com o também argentino Di Stéfano.
"Quando Maradona aparece, a
imprensa esportiva brasileira da época já dizia 'Está pintando mais um que a
Argentina espera que seja o seu Pelé'."
SEMELHANÇAS
E DIFERENÇAS
Unzelte lembra que, na Copa de 1978,
realizada na Argentina durante a ditadura militar, Maradona tinha 17 anos, a
mesma idade de Pelé em 1958.
Mas, na ocasião, o ídolo argentino não
foi convocado pelo técnico César Luis Menotti.
"E aí começam as comparações,
embora, do ponto de vista futebolístico eles tenham sido muito diferentes",
diz Unzelte.
"Maradona era genial, mas tinha
praticamente só a perna esquerda. Não cabeceava e não tinha outras valências
como as do Pelé. Maradona não era propriamente um artilheiro, esteve longe dos
mil gols."
Ao mesmo tempo, diz o jornalista, havia
características que os aproximavam.
"Se Pelé ajudou a mudar a história
do Santos, Maradona, depois de um certo fracasso no Barcelona, ajudou a mudar a
história do Napoli na Itália."
A
QUESTÃO DOS AFETOS
Para Helal, a principal diferença entre
o brasileiro e o argentino está no que ele chama de "a questão dos afetos".
"O brasileiro não admite nenhuma
comparação do Pelé com ninguém. O Pelé foi o maior da história e ponto. Mas
aqui não há tanto afeto pelo Pelé como os argentinos sentem pelo Maradona",
avalia.
"Nas ruas de Buenos Aires, se vê o
Maradona em bancas de jornais, junto com o Che Guevara. Em livrarias de
ciências sociais junto com Jorge Luis Borges e Julio Cortázar. No passeio
público do Caminito, há estátua do Maradona junto a Perón e Evita",
destaca.
Para o sociólogo, tudo isso indica que
Maradona está numa categoria de afeto na Argentina que Pelé nunca teve no
Brasil.
"Pelé sempre foi visto como muito atrelado ao poder e sempre foi muito
criticado", diz, citando, por exemplo, as cobranças feitas ao
brasileiro por não se posicionar claramente com relação ao racismo.
Unzelte concorda com a avaliação.
"Em termos de idolatria, acho que
Maradona está mais próximo do Ayrton Senna. Maradona hoje acaba de entrar no
altar da pátria argentina, ao lado de Carlos Gardel e Evita Perón. Aqui não.
Infelizmente para o Pelé, ele mesmo considera que é mais reconhecido no
exterior do que aqui. No Brasil, ele é mais contestado."
O
ENCONTRO DO 'REI COM DEUS'
Ambos os pesquisadores lembram de um
episódio que revela o afeto que existia entre os dois jogadores.
Em 2005, Maradona recebeu o brasileiro
na estreia do programa La Noche del Diez, um talk-show apresentado pelo ídolo
argentino, anunciado pela TV argentina à época como o encontro "do Rei com Deus".
O Rei era o Pelé.
"Aí nós ficamos sabendo que, nos
anos 1990, Pelé tentou trazer o Maradona para o Santos. Alguma coisa deu
errado, mas o Pelé tentou", conta Helal.
"Então, acredito que eles tinham
uma relação bastante complicada em alguns momentos, mas depois apararam as
arestas."
Unzelte lembra ainda que, na ocasião,
Pelé tocou no violão uma música que dizia: "Quem sou eu, Maradona? Quem é
você? Você quer ser eu, e eu quero ser você."
"Acredito que a rivalidade entre
eles era uma coisa muito menos pessoal, e muito mais entre os dois países",
avalia o jornalista.
Ao fim do programa, lembra o professor
da UERJ, perguntaram ao argentino quem era o melhor: ele ou Pelé.
Ao que Maradona respondeu: "Minha
mãe acha que sou eu, e a mãe dele acha que é ele."
(BBC News)
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