O Brasil superou nesta quinta-feira (07/01) a marca de 200 mil mortos pela covid-19, quando muitos já temem que possa ser o pior momento da pandemia no País.
A curva de casos e mortes voltou a ser
ascendente.
Ao mesmo tempo, parte da população
abandonou os cuidados e se aglomerou nas festas de fim de ano, novas variantes
do vírus circulam e ainda não há clareza de quando começa a vacinação.
Em quase 10 meses desde que ocorreu a
primeira morte pela doença no Brasil, perdemos o equivalente às populações da
cidade de Araçatuba (SP) ou de Angra dos Reis (RJ).
Até às 17h00 desta quinta-feira, foram
registradas 200.011 mortes, conforme levantamento feito pelo consórcio de
imprensa junto às secretarias estaduais de saúde.
E o cenário projetado para as próximas
semanas é sombrio, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.
Quando o País atingiu 100 mil mortos, em
agosto, a média móvel de vítimas indicava lentamente um início de queda e
parecia que a situação começaria a melhorar.
Mas ao contrário da Europa, que teve claramente
uma primeira e uma segunda onda, no Brasil o número de novas infecções e óbitos
nunca arrefeceu.
A média móvel de mortes baixou da casa
de mil, em meados de agosto, para pouco mais de 300 na primeira dezena de
novembro, mas logo depois voltou a subir.
O epidemiologista Paulo Lotufo, da USP,
compara esse movimento como se fosse de um avião arremetendo ao tentar pousar.
“Parecia que estávamos em declínio mesmo, mas
não chegamos a zerar. Tivemos o impacto das eleições municipais. Os números de
internações estavam claramente subindo, mas ninguém queria adotar medidas mais
restritivas e impopulares. Aí veio o fim de ano. Não está todo mundo agindo
como vimos nas fotos de praias e festas, mas aumentou o desrespeito. Vi casos
de irresponsabilidade total, e vamos ver o resultado disso agora. A expectativa
é péssima”, alerta.
Para Deisy Ventura, professora de Ética
da Faculdade de Saúde Pública da USP, a posição do governo federal, que desde o
início deixou a pandemia correr solta no País, agora parece ter um contrapeso
menor dos governos locais e de parte da população, tornando a situação ainda
mais perigosa.
“O governo federal sempre atuou para que a
doença seguisse seu ritmo natural, sem construir obstáculos, com a ideia de que
quanto mais rapidamente se disseminasse, mais rapidamente passaria, o que é
absurdo por todos os aspectos”, argumenta.
“Mas havia uma certeza de que os Estados
fariam tudo para evitar o colapso do sistema de saúde. Foi o modelo de 2020. Em
2021, me parece que esses freios podem não funcionar.”
No fim de dezembro, o Amazonas decidiu
fechar o comércio, mas recuou após protestos.
O Estado só adotou as restrições esta
semana, por ordem da Justiça, para conter a alta de mortes – em Manaus o número
de sepultamentos saltou 193% no último mês.
Durante as festas de fim de ano, o
governo paulista determinou que as cidades mantivessem só atividades
essenciais, como farmácias e mercados, mas parte das cidades decidiu não
cumprir a medida.
O que se viu foram praias e comércio
lotados, ausência de distanciamento social e do uso de máscaras.
“Vejo a população respondendo diretamente ao
estímulo dado pelo governo federal quando ataca as medidas de contenção do
vírus”, opina Deisy.
“Temos uma tendência a responsabilizar as
pessoas individualmente, mas elas estão respondendo a um movimento político
escandaloso que preconiza que a doença não é grave ou só é grave para alguns, o
que sabemos que é mentira. Ninguém está livre de um possível agravamento”,
diz.
“Em um outro ambiente institucional, esse comportamento
seria repudiado. Mas quando a desobediência é encorajada por parte do governo,
quando a gente trata criminoso com indulgência, temos um efeito de banalização
de condutas que deveriam ser rechaçadas na sociedade”, ressalta a
pesquisadora.
Deisy faz uma previsão dramática para as
próximas semanas: “O ano novo pode ser o pior possível. Temo que cenas que não chegamos a
ver em 2020, ou vimos pouco no Brasil, se tornem comuns. Vamos ter pessoas
morrendo na rua, caminhões de cadáveres, cemitérios sobrecarregados e devemos
ter a tão temida sobrecarga das unidades de saúde e de leitos de UTIs. E vamos
ter, com mais intensidade, a perda de pessoas próximas”.
O temor é compartilhado pela
infectologista Raquel Stucchi, professora do Departamento de Clínica Médica da
Unicamp.
“Os números de casos e de mortes estão
avançando em velocidade muito rápida e não se vislumbra mudança, as coisas vão
piorar. Não sei se as pessoas estão meio anestesiadas com tudo isso, mas muitas
incorporaram o discurso de minimizar a doença e seus efeitos, deixaram de ser
cuidadosas e acabam tendo essa atitude irresponsável com a própria saúde e a
dos outros”, afirma ela.
“Começamos errado e andamos no caminho do
erro. O que faltou no nosso País desde o início foi ter uma voz única que
entendesse e aceitasse o que a ciência mostrou e conduzisse o País à luz da
ciência. Como não tivemos isso, vimos o uso incorreto, ou não frequente ou não
exigido em muitos locais da máscara facial. Tivemos até incitação à
aglomeração. Mais recentemente durante as campanhas eleitorais e as que se
formaram nas festas de fim de ano”, lamenta a pesquisadora.
(Por
Giovana Girardi –Estadão)
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