No total, 259.271 pessoas morreram em decorrência do novo coronavírus.
Foram 1.910 em apenas 24
horas, um novo recorde, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde — que não
desencadeou, entretanto, o mesmo choque e espanto dos demais desastres.
O
número de 1.910 é superior individualmente, por exemplo, ao total de mortos
nas chuvas e deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011 (917 mortos e 345 desaparecidos), no
incêndio no Gran Circus Norte-Americano, em 1961 (503 mortos e mais de 300 feridos), no incêndio na boate Kiss (242 mortos e 680 feridos) e, mais
recentemente, no rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho (259 mortos e 11 desaparecidos).
A covid-19 também supera outras
tragédias ainda presentes na memória dos brasileiros, como o acidente aéreo da
Air France em 2009, com 228 mortos.
Ou mesmo o incêndio no Edifício Joelma
em 1974, em São Paulo, com 187
mortos e 300 feridos.
E também o naufrágio do Bateau Mouche em
1989, com 55 mortos.
Em sua conta no Twitter, Wilson Gomes,
filósofo e professor titular de Teoria da Comunicação da Universidade Federal
da Bahia (UFBA), lembrou a comparação e também traçou paralelos com tragédias
internacionais.
"A gente se chocou com os mortos
da Boate Kiss, mas só ontem aconteceram 8 incêndios da Boate Kiss. A gente fica
perplexo com os mortos de Dachau, mas em números oficiais no campo de
extermínio bolsonarista da Covid já ocorreram 8 Dachaus. Existe fadiga até de
espanto e de horror", escreveu Gomes.
No mesmo dia em que o Brasil atingiu
novo recorde no número de mortos por covid-19, o presidente Jair Bolsonaro
voltou a criticar medidas restritivas adotadas pelos Estados.
Bolsonaro disse que, por ele, o Brasil
"nunca" adotaria o 'lockdown', usado por vários países do mundo e
considerado eficaz para restringir a circulação nos picos da pandemia do novo
coronavírus.
Apesar disso, o presidente insistiu que
a política "não deu certo em lugar nenhum do mundo".
"No que depender de mim, nunca
teríamos lockdown. Nunca. É uma política que não deu certo em lugar nenhum do
mundo. (Nos) Estados Unidos vários Estados anunciaram que não tem mais. Mas não
quero polemizar esse assunto aí", disse Bolsonaro ao chegar ao
Palácio da Alvorada.
Mas por que parece que não nos chocamos
tanto quanto com outras tragédias que marcaram a nossa história?
Em última análise, especialistas dizem
que nossa biologia poderia estar atuando contra nós.
Eles assinalam que nossos cérebros não
estão programados para entender os grandes números.
Também temos outras preocupações, como
incerteza econômica, agitação civil, incêndios florestais e furacões, conflitos
geopolíticos, tensões eleitorais e mudanças sem precedentes na forma como
trabalhamos, fazemos compras, socializamos e educamos nossos filhos.
Além disso, mais tragédia nem sempre
gera mais empatia.
Segundo Paul Slovic, psicólogo da
Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, a magnitude do número de mortos
pode fazer com que algumas pessoas se tornem menos sensíveis, devido a um
fenômeno que ele chama de "entorpecimento psíquico", disse
ele em entrevista à revista americana National Geographic.
"Nossos sentimentos são muito
fortes por uma pessoa em perigo, mas não evoluem muito bem",
afirmou ele.
"Se há duas pessoas, você não se
sente duas vezes mais mal. Sua atenção fica dividida e você não tem uma conexão
emocional tão forte", acrescentou.
Na opinião de Slovic, nossos cérebros
evoluíram dessa forma como um mecanismo de enfrentamento.
Ele argumenta que, milhões de anos
atrás, os humanos nem mesmo estavam cientes das pragas, conflitos ou desastres
de pessoas distantes, então naturalmente nos concentramos em proteger a nós
mesmos, nossas famílias e nossas pequenas comunidades.
Além disso, a longa duração da pandemia,
combinada com a ausência de um fim claro, pode paralisar a sensação de choque
das pessoas.
Para a psicóloga cognitiva Elke Weber,
da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, "a espécie humana é realmente
adaptável".
Weber, que estuda como as pessoas tomam
decisões quando enfrentam riscos e incertezas, disse à National Geographic:
"Se você pensar nas pessoas que vivem em uma zona de guerra, o tipo de
coisa que antes era terrível se torna normal. Nossos neurônios cerebrais
disparam quando algo muda, mas param depois de um tempo. Se você está em uma
sala com um cheiro ruim, você acaba parando de notá-lo".
(BBC News)
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