O Brasil tinha os mecanismos necessários para lidar de maneira exemplar com a pandemia, mas as escolhas do presidente Jair Bolsonaro transformaram o combate à covid em um fracasso mundial.
Essa é a conclusão de um longo estudo
conduzido por pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e
da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O estudo, transformado em livro e
divulgado nesta quinta-feira (22/04) compila análises de cerca de 60
pesquisadores sobre as políticas públicas de controle da pandemia adotadas por
30 países de todos os continentes.
Os resultados mostram que países que
performaram melhor durante o período analisado seguiram as orientações da
Organização Mundial de Saúde (OMS) e aliaram medidas de saúde a políticas
sociais.
Os autores ressaltam no estudo que o
Brasil era classificado como o país da América Latina mais preparado para lidar
com emergências de saúde pública, segundo o sistema Global Health Security
Index.
Também contava com um sistema de
vigilância em saúde bem desenvolvido e tinha um bom histórico com epidemia
porque respondeu com às emergências da Aids, da hepatite C e da influenza
(H1N1).
“Não podemos voltar no tempo e rever a
história, mas, se o presidente tivesse escolhido outros caminhos, o Brasil
poderia ter apresentado um desempenho muito melhor. Poderíamos ser um exemplo”,
diz Elize Massard, professora da FGV e uma das autoras do estudo.
A pesquisa mostra a forma com que
Bolsonaro usou todos os poderes constitucionais para fazer valer a sua agenda,
minimizar a pandemia e boicotar ações de estados.
O estudo lembra que o presidente
iniciou, em abril do ano passado, uma “campanha agressiva” em apoio ao uso da
cloroquina, remédio ineficaz para a covid.
Essa posição acabou derrubando dois
ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, e colocando o
general Eduardo Pazuello no cargo.
O texto aponta que Pazuello trocou
técnicos por militares em cargos gerenciais importantes no Ministério da Saúde,
“decisão
duramente criticada pela comunidade da saúde pública”.
Elize destaca que o presidente tem o
poder de indicar e exonerar ministros, mas que não é comum uma intervenção tão
forte.
“Bolsonaro interferiu no Ministério da Saúde como nunca antes visto no
período democrático. Ele interveio em protocolos de tratamento e até no modo de
divulgação dos dados da pandemia.”
Outras ações de Bolsonaro que
dificultaram o enfrentamento da pandemia são mencionadas no estudo.
Uma delas foi a demora no fechamento das
fronteiras terrestres e aéreas, que estão sob a jurisdição federal.
O presidente também editou medidas
provisórias para atrapalhar as ações de governadores, como a que incluiu
dezenas de serviços na lista de essenciais — de igrejas a salões de beleza.
Essa foi uma clara tentativa de impedir
o fechamento de atividades, ação importante para garantir o isolamento social e
diminuir a disseminação do vírus.
O estudo também diz que Bolsonaro
defendeu políticas de saúde que refletem a “pseudociência” e o “negacionismo” e
contribuiu para a desinformação sobre a pandemia.
Ele decidiu ignorar as orientações da
OMS e as políticas de saúde baseadas em evidência temendo que isso pudesse
gerar consequências econômicas negativas, diz a pesquisa.
O chefe do executivo também relutou em
liberar o auxílio emergencial.
“Houve pouca coordenação entre os ministérios
da Economia e da Saúde. Para combater a pandemia deve haver políticas sociais
que protejam os trabalhadores e permitam às pessoas ficarem em casa”,
diz Elize.
A pesquisadora fala que a falta de
alinhamento entre as políticas sociais e de saúde também aconteceu em alguns
países, enquanto outros souberam manejá-las de forma adequada.
Um dos países que conseguiu fazer isso
foi a Alemanha, criando pacotes econômicos com objetivo de estimular a
economia, apoiar empresas, proteger empregos e mitigar o impacto da crise em
pessoas menos privilegiadas.
Em relação ao Brasil, a pesquisa diz que
o auxílio emergencial foi a política social mais importante durante a pandemia,
garantindo a sobrevivência de muitos cidadãos durante o período em que foi
disponibilizado.
Por outro lado, o texto lembra que o
Ministério da Economia atrasou o início do programa e que houve uma disputa na
Câmara dos Deputados para que o valor fosse fixado em “600 reais” — o governo federal
queria um auxílio de “200 reais”.
O estudo conclui que Bolsonaro fez de
tudo para negar o conhecimento científico e atrapalhar o combate à pandemia.
O estrago causado pelo coronavírus no
Brasil só não foi maior, segundo a pesquisa, porque o País tem uma
infraestrutura de vigilância sanitária bem desenvolvida para lidar com
pandemias.
A rede de atenção primária do Sistema Único de Saúde também foi
apontada como essencial para mitigar o impacto da covid-19.
A atuação dos Estados e prefeituras foi
destacada como outro fator que ajudou a controlar o caos no País.
O estudo diz que os governadores
lideraram a resposta do Brasil à pandemia e ganharam popularidade porque
seguiram as orientações da ciência, o que parece ter "enfurecido" o
presidente e seus apoiadores.
(Estadão)
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