Em 1972, quando tinha 31 anos, Erasmo Carlos lançou álbum intitulado Sonhos e memórias 1941 – 1972.
O título do disco aludia ao fato de o
cantor, compositor e músico carioca ter vindo ao mundo em 1941, precisamente em
5 de junho, com o nome de Erasmo Esteves.
Decorridas quase cinco décadas, Erasmo
chega aos 80 anos – festejados de forma discreta, em família, neste sábado, 5
de junho – entre sonhos e memórias de um mundo mais amoroso e mais gentil como
esse gigante pioneiro do rock brasileiro.
Talvez o mundo nunca tenha sido de fato
tão amoroso e gentil como parece ter ficado cristalizado na memória de Erasmo,
a julgar pelas entrevistas do artista.
Mas Erasmo, aos 80 anos, insiste na
juventude, na gentileza e sonha com mundo melhor.
Vértice do triângulo fundamental da
Jovem Guarda, movimento pop que ditou o comportamento e a música dos brotos
entre 1965 e 1968, o cantor planeja revolver a memória afetiva para gravar o
álbum O futuro pertence à Jovem Guarda
com músicas desse cancioneiro juvenil a que nunca deu voz, casos de Coração de
papel (Sérgio Reis, 1966) e O bom (Eduardo Araújo e Carlos Imperial, 1966).
O titulo do álbum é extraído da frase
histórica (“O futuro pertence à jovem guarda porque a velha está ultrapassada”)
do revolucionário russo Lênin (1870 – 1924) que inspirou o publicitário Carlito
Maia (1924 – 2002) a batizar o movimento comandado por Roberto Carlos com
Erasmo e Wanderléa.
Aos 80 anos, Erasmo Carlos vislumbra
futuro porque permanece jovial como a obra fonográfica que pavimenta desde
1960.
Basta ouvir álbuns recentes como
Rock'n'roll (2009), Sexo (2011) e o estupendo ...Amor é isso (2018) – disco de
músicas inéditas produzido por Pupillo Oliveira sob direção artística de Marcus
Preto – para detectar que o pulso ainda pulsa forte na discografia de Erasmo.
Força sempre posta a serviço do exército do bem.
De mau, o gigante gentil teve apenas a
fama cultivada na era pop dos carrões e brotos da Jovem Guarda. Mesmo ali, a
gentileza amorosa de Erasmo já sobressaía em gravações como a da acariciante
canção Gatinha manhosa (1965), um dos grandes sucessos do Tremendão ao lado do
incandescente rock Vem quente que estou fervendo (Eduardo Araújo e Carlos
Imperial, 1967).
Sim, Erasmo Carlos é tanto do rock
quanto das canções de amor. Amor temperado com sexo.
Mote de antológico álbum de 1981, a
paixão pela mulher pauta grande parte do cancioneiro do compositor, parceiro de
Roberto Carlos.
No fundo, os valores dos dois amigos de
fé são similares.
Contudo, Erasmo jamais se deixou enquadrar na moldura
conservadora de Roberto.
A partir dos anos 1970, década em que a
música de Erasmo se tornou adulta, acompanhando o crescimento e a evolução do
artista, o cantor gravou discos em que aludiu à maconha, denunciou a sujeira da
selva das ruas e, sim, falou de amor.
Talvez o que tenha permanecido na
memória popular de quem viveu os anos 1970 tenha sido hits como Filho único
(1976) e Panorama ecológico (1978), músicas que parecem mais de Erasmo do que
de Roberto, ainda que creditadas aos dois Carlos.
Contudo, do ponto de vista comercial, a
década de 1980 foi mais gentil com Erasmo, pelo menos na primeira metade, época
de álbuns como Mulher (1981), Amar pra viver ou morrer de amor (1982) e Buraco
negro (1984).
Já os anos 1990 foram cruéis com o
Tremendão, que somente teve a chance de gravar um único álbum com músicas
inéditas, Homem de rua (1992), ao longo de década.
A redenção e a renovação viriam somente
há 20 anos, a partir da edição do álbum Pra falar de amor (2001).
Desde então, Erasmo Carlos se manteve em
cena com vigor.
Virou lenda e envelheceu sem jamais perder a ternura e a
juventude.
Talvez seja ele o verdadeiro último romântico do universo pop
nacional.
E até por isso merece ser celebrado por
chegar hoje aos 80 anos com fé na vida, no Homem e no que virá.
(G1 – Blog Do Mauro
Ferreira. Mauro Ferreira Jornalista carioca que escreve sobre música desde
1987, com passagens em 'O Globo' e 'Bizz'. Faz um guia para todas as tribos)
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