Por Frederico Duboc*
Em 2001, a crença em uma “superpotência
solitária” na América nunca esteve tão forte.
Havia uma década, a União Soviética
deixara de existir, o Muro de Berlim era uma relíquia negociada aos pedaços por
colecionadores, a promessa de uma economia japonesa toyotista global dos anos
80 explodira em uma bolha especulativa, e a China apenas acabara de entrar na Organização
Mundial do Comércio.
Dos 281 milhões de norte-americanos, 82%
eram brancos, 56%, protestantes, e apenas 4% dos trabalhadores estavam
desempregados.
As estatísticas pareciam comprovar o
“fim da história”, do cientista político Francis Fukuyama, que previa, em 1989,
uma sociedade liberal capitalista como o ápice do desenvolvimento econômico e
político do mundo, afrontando a tese da dialética de Hegel de um planeta em
contínua transformação.
Os atentados de 11 de setembro de 2001
implodiram essa inocência junto com as Torres Gêmeas.
Grupos não nacionais, com um gasto
ridiculamente irrisório se comparado aos quase US$ 300 bilhões do orçamento
militar dos EUA, motivados por ideologia e religião, conseguiram mostrar a
vulnerabilidade da superpotência e chamar a atenção para o “choque de
civilizações” apontado por Samuel Huntington – contemporaneamente ao texto de
Fukuyama –, em que os conflitos ocorreriam nas fronteiras entre diferentes
culturas, e não obrigatoriamente entre nações.
Infelizmente, essa tese foi interpretada
de forma enviesada e sob a lente do medo agudizando xenofobia, islamofobia,
nacionalismo e securitização das relações internacionais (transformar questões
gerais em assuntos de segurança).
Os EUA se envolveram em guerras no
Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria. Russos utilizaram a “ameaça
muçulmana” para justificar repressão aos chechenos, assim como os chineses com
os uighures, os birmaneses com os rohingyas e infindáveis “limpezas étnicas”.
Em 20 anos, os gastos militares
norte-americanos saltaram para US$ 778 bilhões para sustentar essa escalada
bélica, ressuscitando a corrida armamentista – inclusive nuclear – com Rússia e
China.
Até a famélica Coreia do Norte desenvolveu uma bomba atômica operacional
nesse ambiente.
O mundo havia mudado.
E a América protestante branca ficou
menor.
A população negra passou de 12,8% para
13,4%, os latinos avançaram de 11% para 18,5%.
As correntes derivadas da Reforma
encolheram para 42%, e os muçulmanos (mal citados no censo de 2001) passaram a
representar 1% dos 332,5 milhões de norte-americanos.
A memória do preconceito aceso no 11 de
Setembro foi usada por supremacistas e neofascistas que, sob o discurso de não
haver emprego para todos, se lançaram a uma onda interna de terror contra
imigrantes e outras etnias e religiões em busca da “grandeza perdida”.
Resgatando dos escombros do WTC ódio e
medo, em vez da coragem dos sobreviventes.
(De O tempo. *Por Frederico Duboc- Editor
de Opinião de O Tempo e mestre em relações internacionais pela PUC Minas)
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