sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

NATAL: JUDEUS, BUDISTAS E ISLÂMICOS COMEMORAM A DATA CRISTÃ? ENTENDA

Poucas datas religiosas ganharam tamanha força na sociedade, mesmo em termos culturais, como o Natal.
Para os cristãos, o 25 de dezembro celebra o nascimento de Jesus Cristo.

Mas e para as demais religiões?
O que é o Natal para judeus, muçulmanos e budistas?
O UOL entrou em contato com representantes dessas religiões para entender como é a relação dessas linhas religiosas com a figura de Jesus Cristo e com o Natal em si.
JUDEUS TÊM FESTA DAS LUZES E TROCA DE PRESENTES
Para começo de conversa, é importante ressaltar que Jesus nasceu, cresceu e viveu como judeu.
E, durante a vida, Ele não fundou nenhuma religião.
Esse fato é importante para entender a relação de Jesus dentro do judaísmo.
"Jesus é visto no cristianismo como o Messias e isso é a parte que difere entre as teologias cristã e judaica. O judaísmo não vê ninguém como Messias porque o mundo não está redimido. Segundo as escrituras, a vinda do Messias mudaria a história. Não haveria mais sofrimento, doenças, injustiças, guerras. O mundo segue tendo tudo isso. Então, nós acreditamos que o Messias ainda não chegou", diz Ruben Sternschein, rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP).
Portanto, se Jesus é respeitado no judaísmo, porém não tem "tratamento VIP", é compreensível que o Natal não seja uma data religiosa para os judeus.
"O Natal é uma data absolutamente cristã. Somente os cristãos vão celebrar o Natal. Qualquer religião que não for construída ao redor da figura de Jesus não vai comemorar o Natal", conta o rabino, que nasceu na Argentina e vive há 15 anos no Brasil.
Mesmo assim, segundo Sternschein, há três pontos de sinergia entre cristãos e judeus durante o Natal.
"O primeiro é o nascimento da identificação espiritual. Conseguimos enxergar de fora do cristianismo que, para os cristãos, este é o nascimento entre o contato entre a terra e o céu, o humano e o divino", analisa.
O segundo ponto, de acordo com o rabino, é o sentimento de bondade e generosidade que, comumente, se tornam mais fortes nesta época do ano.
O terceiro ponto está nas luzes costumeiramente utilizadas nas decorações natalinas.
"Temos uma celebração, que normalmente é perto do Natal, que se chama Hanukkah. E temos uma tradição de acender um candelabro dentro de casa e colocá-lo na janela para compartilhar a luz. Simbolicamente, estamos compartilhando luz, aceitando que cada um tem sua própria luz e oferecendo para quem quiser se iluminar. Isso é bem parecido com as luzes que se distribuem no Natal", cita.
O Hanukkah cai em datas distintas a cada ano, devido ao calendário judaico ser diferente do calendário civil.
Contudo, normalmente é perto do Natal cristão.
Em 2021, a festividade aconteceu entre 28 de novembro e 6 de dezembro.
Outra semelhança entre as duas festas está na troca de presentes. Para Sternschein, é algo que divide os judeus.
"Alguns gostam disso, dizem que é uma forma de se conectar. Alguns gostam porque assim as crianças não se sentem diminuídas. Mas existem os que não gostam, que dizem que poderíamos ter pegado só os pontos espirituais", avalia. "Na verdade, é algo que os historiadores dizem que os judeus tomaram do cristianismo. O judaísmo não tinha presentes nesta época do ano. Com o tempo, aparentemente com o convívio de todos os cristãos, os judeus acabaram introduzindo presentes de Hanukkah", completa.
MUÇULMANOS PREGAM O RESPEITO NO 'DIA DA FAMÍLIA'
O islamismo também não tem o Natal entre as suas tradições religiosas.
No entanto, os efeitos positivos da data também são sentidos pelos muçulmanos.
Essa é a visão do sheik Ali Momade, autoridade religiosa da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras).
"Os muçulmanos não celebram o Natal, mas sentem os efeitos positivos. O Natal representa o dia da família. Hoje em dia as famílias são religiosamente híbridas. Há cristãos, judeus, muçulmanos e se estabelecem entre eles relações matrimoniais sem esquecer as outras religiões. Dividimos momentos de alegria, felicidade e amor. E o Natal é parte deste convívio, que ganhou maior visibilidade pelo poder simbólico, representado em memória da vida daquele que foi um dos maiores líderes religiosos, o profeta Jesus", afirma.
Dentro do islamismo, a maior figura é o profeta Muhammad - conhecido também como Maomé.
De acordo com a história, ele teria vivido entre os anos 571 e 632 na região da Arábia Saudita.
Isso significa que viveu séculos depois de Jesus - e Cristo tem, sim, influência dentro do islamismo, de acordo com o sheik.
"Jesus foi um dos profetas muito enaltecidos pelo Alcorão e um dos profetas mais amados por todos os muçulmanos. Como muçulmanos, cremos em Jesus, filho de Maria, de que ele foi enviado por Deus e trouxe a mensagem de Deus. Ele pregou o amor, lutou pelo bem-estar da família. Jesus é também nosso profeta. Por mais que nós não celebremos o Natal, nos alegramos com a alegria do nosso próximo, nosso vizinho, nosso colega de trabalho", ressalta.
Se na tradição popular cristã e judaica existe a troca de presentes por volta da época natalina, o mesmo se pode dizer que acontece entre os muçulmanos.
O Natal, no entanto, não é a razão principal para que os devotos do islamismo façam gentilezas.
"Não diria que os muçulmanos trocam presentes no Natal a partir de uma perspectiva religiosa. O Islã exorta, de acordo com o próprio profeta, que haja a troca de presentes para renovar o amor. Então, independentemente da época do ano, os muçulmanos são incentivados a trocarem presentes", afirma Momade.
FESTA DA ILUMINAÇÃO OCORRE NO BUDISMO EM DEZEMBRO
Para os budistas, celebrar o Natal é algo que ocorre por uma razão curiosa: a maioria deles não é seguidor do budismo desde o berço - e, por isso, foram criados em uma cultura religiosa diferente. Para Denilson Lacerda, tutor do Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB) de Campinas (SP), essa é a razão apontada pelo "sincretismo" que acontece entre os dias 24 e 25 de dezembro.
"Na minha família, todo mundo é cristão. Só eu me tornei budista. A imensa maioria dos budistas no Brasil não nasceu budista. Então, para mim, é muito tranquilo. Eu comemoro o Natal normalmente, do ponto de vista de reunir a família, desejar feliz Natal quando dá 00h. A única coisa é que, dentro de um momento mais religioso, eu não iria em uma missa, rezar um Pai Nosso. Em um momento mais introspectivo, vou trabalhar em preces da minha prática", explica.
Dentro do budismo tibetano, linha seguida por Lacerda, não se comemora o Natal.
Mas é inevitável não conectar semelhanças entre os seguidores de Buda e os de Jesus Cristo.
"O budismo é um método para encontrar dentro de você os referenciais de ética, amor e compaixão. O budismo olha de forma muito apreciativa, em vez de dizer que algo 'está certo ou está errado'.Os budistas reconhecem os ensinamentos de Jesus Cristo como algo de muita sabedoria, muita profundidade, envolve também amor e compaixão - que é algo central em Buda. Apesar de a gente não ter a comemoração, a gente se insere nas festas com os parentes pois o que está sendo celebrado ali é o nascimento de um grande mestre e que ensinou o amor, que é parte central do nosso caminho", conta.
O que há, entre os budistas, é a festa da iluminação de Buda, que acontece entre os dias 1º e 8 de dezembro.
A festividade celebra o surgimento de Buda - a palavra significa "desperto" e refere-se a Sidarta Gautama, príncipe nepalês que teria vivido cinco séculos antes de Cristo.
Além da festa da iluminação, há outras cerimônias dentro do budismo que celebram etapas da vida de Buda.
Porém, de acordo com o tutor do CEBB Campinas, não há, diferentemente de outras religiões, uma relação de adoração entre os devotos e a entidade máxima do budismo.
"O que Buda traz não é um pedido para que a gente o adore. Ele está dizendo 'alcancem, descubram a verdadeira natureza de vocês, que é a mesma minha'. Não é encontrar um ser para ser reverenciado, mas para também descobrir essa natureza". diz.
(Matheus Adami Colaboração para o UOL, em São Paulo)

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