Após 10 dias de julgamento e quase nove anos de espera, o Tribunal do Júri do Foro Central de Porto Alegre condenou pela morte de 242 pessoas os quatro réus acusados do incêndio da boate Kiss: Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Lodeiro Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.
A sentença começou a ser lida na tarde desta
sexta-feira (10/12).
O incêndio na madrugada de 27 de janeiro
de 2013 em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, deixou 242
pessoas mortas e outras 636 feridas.
As vítimas, em sua maioria, eram jovens
estudantes com idades entre 17 e 30 anos, moradores da cidade universitária.
A justiça decretou as seguintes
condenações:
O cumprimento da pena se daria em regime
fechado e, por ser superior a 15 anos, seria executada de forma provisória.
A prisão dos quatro foi decretada pelo
magistrado.
No entanto, Faccini Neto recebeu a
comunicação de que o Tribunal de Justiça concedeu um habeas corpus preventivo
em favor de um dos réus, o que fez suspender a execução da pena dos quatro.
Portanto, nenhum deles foi preso.
"No caso como o presente, é
preciso referir que se está diante da morte de 242 pessoas, circunstância que,
na órbita do dolo eventual, já encerra imensa gravidade", disse o
juiz Orlando Faccini Neto.
A tragédia é a maior ocorrência em
número de vítimas na história do Rio Grande do Sul e a segunda do Brasil, atrás
apenas do incêndio do Gran Circo Norte Americano, em Niterói (RJ), que deixou
503 mortos em 1961.
"Os jurados são muito
inteligentes, os jurados sabem o que fazem. Eu tinha certeza que a sociedade ia
decidir dessa forma, porque a sociedade sabe o que faz", diz a
promotora Lúcia Helena Callegari após a decisão.
O juiz Orlando Faccini Neto destacou
como chegou às decisões das penas.
"Eu cheguei na pena a partir de
critérios alusivos a particularidade de cada um dos acusados explicitados na
decisão que é longa, que eu não li na sua inteireza, que pertence a um
processo, portanto pública, pode ser lida, e naturalmente alguns haverão de
concordar, outros vão discordar".
Faccini Neto também foi questionado
sobre o habeas corpus e se a decisão seria uma frustração.
"Eu não digo que é uma frustração,
a minha decisão explicita as razões pelas quais me parece que no tribunal do
júri, como diz a lei e como vem dizendo o STF, deflagra-se a execução da
sentença, agora há pontos de vista contrários, e como juiz eu não tenho outra
alternativa a não ser respeitar."
A realização do júri encerra uma longa
espera de familiares, sobreviventes, réus, testemunhas e também da comunidade
de Santa Maria.
No plenário onde as audiências foram
realizadas, em tendas de familiares montadas ao lado do fórum e na cidade onde
ocorreu a tragédia ou pela cobertura da imprensa, a expectativa do público pelo
desfecho era grande.
Passados mais de 3,2 mil dias desde o
incêndio, o caso foi analisado pela polícia e pelo Ministério Público, chegando
ao Poder Judiciário.
O período se deve a inúmeras etapas do
processo, entre apresentação da denúncia, recursos, embargos e pedidos de desaforamento
e desmembramento do júri.
Com as sentenças definida, tanto os réus
quanto o MP podem recorrer da decisão, mas os tribunais só poderão modificar a
pena ou determinar a realização de novo julgamento, sem modificar a decisão dos
jurados.
Elissandro Spohr, conhecido como Kiko,
foi o primeiro dos quatro réus a ser ouvido durante o julgamento.
Durante sua fala, muito emocionado, se
dirigiu às famílias das vítimas que acompanhavam a sessão no plenário.
"Eu não quis isso, eu não escolhi
isso. Eu não aguento mais. Eu aprendi a chorar em silêncio dentro de uma
cadeia. Por que isso foi acontecer na Kiss? Era uma boate boa, todo mundo era
amigo. Eu virei um monstro de um dia para o outro. Eu estava lá",
gritou.
O sócio da casa noturna disse que fez as
adequações pedidas para reduzir a poluição sonora na boate.
Ao ser questionado sobre a contratação
da Gurizada Fandangueira, Kiko diz que não sabia que a banda usava artefatos
pirotécnicos em shows.
Durante o interrogatório, o juiz
questionou por que ele não exprimiu o pesar às famílias ao longo dos últimos oito
anos.
"Não existe o que falar, não tem
uma explicação que consiga dar. Fiquei como culpado. Vou falar o quê?",
disse.
O advogado Jader Marques, que defende
Kiko, classificava o júri como uma oportunidade para que seu cliente desse a
sua versão do que aconteceu na data.
Mauro Hoffmann disse, em interrogatório,
que ingressou na sociedade da Kiss em 2011, quando a casa noturna já era gerida
por Elissandro Spohr.
"Nunca me intitulei dono",
disse.
"Eu não tinha a chave da Kiss",
completou.
Na noite da tragédia, Mauro havia
passado na boate cedo, e ido pra casa.
Foi avisado pelo sócio Elissandro sobre
o incêndio, e voltou correndo para a Kiss.
"Era muita fumaça, as pessoas
trancaram muito no [ponto de] táxi. Uma tragédia é uma sucessão de pequenas
coisas. Tudo atrapalhou", afirmou o réu.
Antes do júri, o advogado de defesa de
Hoffmann, Mario Luis Cipriani, afirmou que o cliente não tinha qualquer participação
na rotina da empresa.
Conforme a denúncia do MP, Kiko e Mauro
foram responsáveis pelos crimes e assumiram o risco de matar por terem usado
"em paredes e no teto da boate espuma altamente inflamável e sem
indicação técnica de uso, contratando o show descrito, que sabiam incluir
exibições com fogos de artifício, mantendo a casa noturna superlotada, sem
condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza, bem como equipe
de funcionários sem treinamento obrigatório, além de prévia e genericamente
ordenarem aos seguranças que impedissem a saída de pessoas do recinto sem
pagamento das despesas de consumo na boate".
Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista
da banda Gurizada Fandangueira, ergueu o artefato pirotécnico, que iniciou o
incêndio ao tocar a espuma que revestia a boate.
Aos jurados, Marcelo comentou que o uso
de fogos de artifício nas apresentações era conhecido.
Durante a apresentação, o músico recebeu
o artefato, acoplado em uma espécie de luva.
O fogo de artifício que foi acionado no
refrão, quando o cantor ergueu a mão.
"Fiz a coreografia. Tirei a mão, o
Luciano tirou a luva de mim, guardou, continuamos tocando",
recordou.
Ao ser advertido de que o teto pegava
fogo, ele larga o microfone, pega o extintor e grita "fogo" para quem
estava próximo.
"Eu disse vou apagar. Na minha
cabeça eu ia apagar. Tive uma chance só de apagar o fogo e a chance que eu tive
eu não consegui. O extintor não funcionou. Entrei em desespero de cima do
palco, não sabia o que fazer", relatou, emocionado.
Para a advogada de Marcelo, Tatiana
Vizzotto Borsa, ouvida antes do júri, o músico é mais uma vítima da tragédia.
Luciano Augusto Bonilha Leão, auxiliar
da banda Gurizada Fandangueira, acionou o artefato pirotécnico que iniciou o
fogo na boate.
Em interrogatório, ele lembrou o que
ocorreu no dia do incêndio.
"Tenho consciência tranquila que
não foi meu ato que tirou a vida desses jovens. Se for pra tirar as dores dos
pais, eu tô pronto, me condenem", afirmou.
O réu contou que a banda já havia feito
ao menos nove shows com artefatos pirotécnicos.
Na Kiss, ele recorda de duas
apresentações com fogos.
Luciano ainda afirmou que a banda não
sabia que o teto do palco havia sido rebaixado e revestido de espuma.
"Se eu tivesse morrido lá, hoje
sentada aqui tem a maior joia da minha vida, que é a minha mãe. Ela ia tá ali
sentada com eles [familiares]", sustentou.
Luciano acendeu o fogo de artifício,
passou para o vocalista Marcelo de Jesus, e permaneceu junto ao palco, conforme
relatou no júri.
O advogado que defende o auxiliar, Jean
Severo, alega que o cliente não é culpado, mas uma vítima.
O MP afirma que Marcelo e Luciano foram
responsáveis porque "adquiriram e acionaram fogos de artifício
(...), que sabiam se destinar a uso em ambientes externos, e direcionaram este
último, aceso, para o teto da boate, que distava poucos centímetros do
artefato, dando início à queima do revestimento inflamável e saindo do local
sem alertar o público sobre o fogo e a necessidade de evacuação, mesmo podendo
fazê-lo, já que tinham acesso fácil ao sistema de som da boate".
(Por g1)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.