Após seis dias de julgamento, o Tribunal do Júri da Comarca de Niterói (RJ) condenou a ex-deputada federal Flordelis dos Santos Souza a 50 anos e 28 dias de reclusão, em regime fechado, por ser mandante do homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, emprego de meio cruel e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima- do pastor Anderson do Carmo.
Ela também foi considerada culpada pela
tentativa de homicídio com uso de veneno, falsificação de documento e
associação criminosa armada.
Sua filha, Simone Rodrigues, foi
condenada a 31 anos, 4 meses e 20 dias de reclusão, em regime fechado, por
homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e associação
criminosa armada.
Seus filhos André Luiz Oliveira e Marzy
Teixeira, além da neta Rayane dos Santos, foram considerados inocentes de
participação no homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e
associação criminosa armada.
O pastor, marido de Flordelis, foi
assassinado a tiros na garagem de casa, em junho de 2019.
Os disparos ocasionaram 33 ferimentos em
seu corpo, entre fraturas e entradas e saídas dos projéteis.
Ele tinha 42 anos e morava com Flordelis
e mais 35 filhos.
Flordelis, 61, está presa desde agosto
do ano passado e não quis estar presente na leitura da sentença.
Seu namorado, o produtor musical Allan
dos Santos, chorou e foi amparado após a condenação, assim como filhos
presentes no plenário.
A sentença foi proferida pela juíza
Nearis Carvalho Arce, após quase 24 horas do início do último dia de
julgamento, no sábado (12/11), com início às 9h00 da manhã.
Por conta da hora avançada, a juíza fez
a leitura somente das condenações.
Ao longo do julgamento, foram ouvidas 23
testemunhas, sendo 13 de acusação.
Entre as testemunhas de defesa, duas
filhas e duas netas de Flordelis relataram que presenciaram ou sofreram abusos
sexuais de Carmo.
Em seu depoimento, a pastora afirmou que
sofria constantes agressões físicas e sexuais do marido.
A principal linha da defesa foi tentar
convencer os jurados de que o crime fora cometido por Flávio dos Santos
Rodrigues, filho biológico da ex-deputada, como forma de defesa contra supostos
sexuais de Carmo contra os irmãos.
Na tese, Rodrigues teria tomado a
decisão por conta própria, sem mandante.
Rodrigues foi julgado em novembro de
2021 e condenado a 33 anos de prisão por ter realizado os disparos.
Em sua sustentação, a promotora Mariah
Paixão disse que essa foi "mais uma tese de conveniência, extremamente
violadora da memória da vítima, na tentativa de colocar Anderson do Carmo no
banco dos réus, quando ele é a vítima".
Para caracterizar a materialidade da
tentativa de envenenamento, negada pelos réus, a Promotoria mostrou diálogos
entre os irmãos Marzy e Oliveira.
Na conversa, ocorrida cerca de dois
meses antes do crime, Marzy pede para Oliveira comprar chumbinho (veneno para
matar ratos) e indica onde poderia adquiri-lo.
Oliveira responde que "está chovendo, engarrafado" e
pergunta se poderia ser outro dia.
Marzy retruca: "A mãe [Flordelis] está pedindo para comprar,
para hoje, para hoje. Esse é o único que funciona, os outros têm cor".
Quando Oliveira responde ter achado,
Marzy escreve: "Aleluia".
A Promotoria também mostrou uma série de
buscas feitas por Simone na internet com as palavras "cianeto
comprar" e "cianeto nos alimentos".
Já sua filha, Rayane, não respondeu por
esse crime.
A investigação apontou que Carmo procurou
o hospital por pelo menos seis vezes, com fortes dores no estômago.
Apesar de não terem sido feitos exames
no corpo, peritos afirmaram que os sintomas são compatíveis com quadros de
envenenamento.
Flordelis também teria escrito, de
acordo com o programa de recuperação de mensagens apresentado pela Promotoria a
um dos filhos: "Vamos sofrer pra
caramba, mas vai passar. Só essa ajuda que preciso, que você faça ele comer ou
beber alguma coisa, um arroz fresquinho com um franguinho que não faz mal. Só
isso".
Testemunhas de acusação também disseram
que souberam que veneno era colocado na comida de Carmo.
PAULA
DO VÔLEI E LOUVORES
A Promotoria também afirmou que Paula
Barros, ex-jogadora de vôlei da seleção brasileira e formada em psicologia,
conhecida como Paula do Vôlei, poderia ter auxiliado a manipular depoimentos de
familiares de Flordelis.
Os promotores mostraram depoimentos de
filhas menores de idade ao Conselho Tutelar.
Neles, elas afirmaram terem sido
treinadas por Paula para prestar relatos à polícia e evitar incriminar
Flordelis.
Procurada pela reportagem a comentar o
caso, Paula Barros respondeu que foi abordada por assessor de Flordelis para
ajudar no caso, após os familiares realizaram depoimentos na delegacia.
"Nunca
preparei ninguém para depoimento algum", afirmou.
"Vou processar as pessoas que
fizeram esses tipos de declarações com intuito de difamar e descredenciar a
minha conduta como pessoa e profissional", disse também.
Paula do Vôlei acompanhou quase todos os
dias do julgamento.
Na madrugada deste domingo (13), às 3h,
cantava louvores no corredor que dá acesso ao tribunal, ao lado de filhos de
Flordelis, durante as alegações finais.
Ainda durante a fase de depoimentos,
chamou à atenção os relatos de possíveis incestos.
A delegada Bárbara Lomba afirmou que
"não havia o amor de pai e mãe, eles conviviam e as pessoas tinham
relações com elas de cunho sexual", sobre o relacionamento de
Flordelis e Carmo com os filhos afetivos.
Já a advogada de defesa de Flordelis,
Janira Rocha, disse aos jurados que a mídia e a Promotoria construíram uma
imagem sobrenatural de sua cliente.
"Falam que ela fazia rituais
satânicos, passam uma ideia de bruxa, de algo demoníaco [mostra depoimento de
um homem que relata ter visto Flordelis virar uma serpente]. Isso aparta ela do
mundo real, a coloca no sobrenatural e tira seus direitos. E, no campo do
sobrenatural, na luta do bem contra o mal, vale tudo, inclusive não respeitar a
constituição", afirmou a advogada.
FLORDELIS:
VIDA RETRATADA NO CINEMA
Antes da morte do marido, Flordelis
tinha uma carreira de sucesso na política.
Ela chegou à Câmara dos Deputados em
2018 como a mais votada do Rio.
Eleita pelo PSD-RJ, ela foi afastada do
cargo em fevereiro de 2021, mais de um ano e meio depois, portanto, do
homicídio.
"Saímos para namorar, curtimos
bastante. Uma noite, assim, muito boa", a deputada disse em
coletiva, sobre a noite do assassinato, quando ainda não era suspeita do crime.
Flordelis e Carmo se conheceram na
favela do Jacarezinho, no Rio, quando ela, recém-divorciada, tinha 30 anos,
ele, 14.
Quando adolescente, Anderson chegou a namorar Simone Rodrigues, filha
biológica da futura esposa.
Segundo Simone, ela tinha 11 anos quando
namorou com Carmo e a mãe não soube do relacionamento.
Flordelis e Carmo passaram a liderar a
igreja evangélica Ministério Cidade do Fogo, em São Gonçalo (RJ).
Também antes de migrar para o noticiário
policial, Flordelis foi convidada para programas de TV como os de Ana Maria
Braga e Marília Gabriela, exaltada como um exemplo de mãe, uma vez que, além de
quatro filhos biológicos, ela adotou mais 51 (nem todos pela via formal).
Um filme sobre sua trajetória foi
realizado, em 2009, com elenco de famosos, que incluiu Bruna Marquezine, Cauã
Reymond, Reynaldo Gianecchini e Deborah Secco.
Flordelis interpretou a si mesma, e os
atores-celebridades fizeram papéis de pessoas salvas por ela ao longo de sua
trajetória como missionária evangélica.
(Folha de São Paulo)
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