“O leme da minha vida / Deus é quem faz governar / E quando alguém me pergunta / Como se faz pra nadar / Explico que eu não navego / Quem me navega é o mar”.
Os versos escritos por Hermínio Bello de
Carvalho para o samba Timoneiro (1996), composto por Paulinho da Viola, parecem
sintetizar – em parte – a filosofia de vida do já octogenário Paulo César Baptista
de Faria.
Sim, o cantor, compositor e músico
carioca chega hoje aos 80 anos no ritmo sereno com que vem conduzindo o leme da
vida e da obra.
Basta dizer que Timoneiro é composição apresentada no último
álbum de músicas inéditas do artista, Bebadosamba (1996), lançado há já
longínquos 26 anos.
“Um dia sai”, costuma responder Paulinho
quando lhe cobram em entrevistas um novo disco de músicas inéditas.
Preso ao passado das tradições do samba
e do choro, ritmos dominantes na obra que vem construindo desde 1964, mas paradoxalmente
capaz de arquitetar traços modernistas na criação dessa obra, Paulinho da Viola
já alcançou dimensão atemporal na música brasileira.
Nascido em 12 de novembro de 1942, ano
marcado na música brasileira pelo surgimento de gênios como Caetano Veloso e
Milton Nascimento, Paulinho parece viver um dia de cada vez, sem pressa.
Mesmo quando lançava um ou até dois
álbuns com músicas inéditas por ano (como fez em 1971 e em 1976), no período em
que editava discos pela gravadora Odeon entre 1968 e 1979, o sambista chorão
pareceu viver sem a pressa e a automação cotidianas que tão bem expressou nos
versos de Sinal fechado (1969), música em que o compositor adentrou o terreno
da vanguarda.
Talvez seja por viver no tempo de um
relógio particular que Paulinho da Viola mantém a elegância observada tanto na
fina estampa como no trato cotidiano e como na obra lapidar.
Esse cancioneiro é capaz de trilhar até
caminhos jazzísticos, como pode ser observado no torto samba-choro Roendo as
unhas (1973), música do álbum Nervos de aço (1973).
Mas é mesmo na cadência bonita do samba
que o compositor quase sempre destila desilusões com refinamento, em doses
concentradas de emoção.
Doses exatas que jamais entornam o
caldo.
Recorrente no cancioneiro de Paulinho da
Viola, a interiorização está entranhada na gênese de sambas como Tudo se
transformou (1970) e Para um amor no Recife (1971).
Ainda assim, Paulinho é capaz de
arrastar o povo na avenida com sambas como Foi um rio que passou em minha vida
(1969), sucesso do Carnaval de 1970 que atravessou gerações.
E, se é para animar a roda de samba, o
compositor é craque quando arremessa nessa roda um petardo certeiro como No
pagode do Vavá (1972).
Compositor refinado, Paulinho da Viola
imprime no canto o mesmo padrão de sofisticação, inclusive quando dá voz às
criações alheias.
Intérprete original de Acontece (1972),
um dos mais belos sambas-canção da obra lírica de Cartola (1908 – 1980), o
cantor soube lapidar joias alheias do quilate de Meu mundo é hoje (Eu sou
assim) (José Batista e Wilson Batista, 1966) e Nervos de aço (Lupicínio
Rodrigues, 1947).
A tristeza é senhora no samba de
Paulinho da Viola, mas a melancolia jamais vem embebida em sentimentalismo.
É uma tristeza bela.
E essas belezas tristes se sucedem no
roteiro de cada show e no repertório de cada disco do artista.
Sem jamais procurar impressionar,
Paulinho da Viola soa moderno porque já se sabe eterno pela obra imune ao
desgaste do tempo.
Tempo que parece não passar para o sambista octogenário.
Paulinho da Viola faz hoje 80 anos como fez 70 há uma década e 60 há 20 anos.
Parece ser levado pela vida, diz quem o
navega é o mar.
Só que, na condução do leme, o sambista artesão sabe desviar
das águas revoltas para jamais perder o ritmo sereno com que ele – o timoneiro
que, a bem da verdade, não se deixa navegar pelo mar – leva a vida e a obra.
(Por Mauro Ferreira- Jornalista carioca
que escreve sobre música desde 1987, com passagens em 'O Globo' e 'Bizz'. Faz
um guia para todas as tribos – g1)
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