Um artista querendo vender seu carro.
Um bancário precisando comprar um
automóvel.
Foi nessa transação que o pai de Paulo
Vanderley Tomaz da Silva, 43, se tornou amigo de Luiz Gonzaga do Nascimento, o
Rei do Baião.
O documento do veículo se tornaria um
dos primeiros itens do acervo de mais de 5 mil objetos, entre fotos, roupas e
discos, que a família coleciona num bairro nobre de Fortaleza.
"Meu pai acabou vendendo o
Furglaine Ford, mas ficamos com o documento original [no nome do sanfoneiro].
Desde criança, meu pai e eu fomos juntando relíquias e isso foi alimentando a
minha devoção pelo Seu Luiz", conta este paraibano de Piancó,
filho de Paulo Marconi Alves da Silva, que herdou e ampliou a coleção do pai
com devoção idêntica.
Logo na entrada do apartamento, quadros
com a imagem do sanfoneiro.
Mais adiante, uma porta de madeira semelhante
às típicas de Exu, município pernambucano a 630 km de Recife onde nasceu o Rei
do Baião.
COISA
DE CINEMAA experiência prossegue por metros e
metros de prateleiras com fotos, livros, esculturas de madeira e réplicas de
peças que Gonzaga usou em vida — como o gibão e os chapéus de couro repletos de
cores —, parte deles usados nas gravações do filme "Gonzaga: De Pai pra
Filho" (2012), do diretor Breno Silveira.
Na área destinada aos LP's o
colecionador dispõe de três cópias de cada lançamento feito em vida pelo
sanfoneiro.
"Comecei a mexer com disco de
vinil quando tinha 5, 6 anos", conta Vanderley.
"E tenho uma lembrança muito forte
de ouvir um disco do Luiz Gonzaga chamado 'Sanfoneiro Macho', de 1995. Tem uma
música que eu achava muito engraçada, a do matuto que foi a praia."
Em gavetas espalhadas pelo imóvel, o
colecionador guarda documentos, contratos com rádios e televisão, jornais de
época e até cartas de fãs apaixonadas pelo cantor.
CONFIANÇA DE GONZAGUINHAFoi ainda na
infância de Paulo que, por conta do trabalho do pai como gerente do Banco do
Brasil, a família Silva se mudou para Exu.
Em 1989, durante
a criação do famoso Museu do Gonzagão, o menino viu a sua casa se transformar
em um depósito de caixas: parte das peças enviadas ao novo museu pelo filho do
sanfoneiro, o cantor e compositor Gonzaguinha, ficaram provisoriamente alojadas
na casa da família — que a essa altura já desfrutava da amizade e da confiança
dos Gonzagas.
A época deixou
lembranças marcantes no menino.
"Seu
Luiz Gonzaga chegou a almoçar na minha casa", conta o
colecionador, com orgulho.
"Tenho
uma foto com ele no Parque Asa Branca", aponta sorridente para o
quadro em sua sala de estar.
Ele também não
esquece o dia em que, aos 9 anos, passava férias escolares com a mãe em João
Pessoa quando foi acordado com batidas na porta pelo tio Marcos: "Ó,
teu pai ligou dizendo que Luiz Gonzaga faleceu. Prepara a mala que vocês vão
voltar agora pra Exu."
VIAGEM DE ASA BRANCA600 quilômetros
de viagem depois, a família chegou à igreja em que o corpo do cantor seria
velado.
Era dia 4 de
agosto de 1989 e o clima na cidade era de desolação.
O pai de Paulo, que iria
em cima do caminhão de bombeiros acompanhar o caixão de Gonzaga, escalou o filho
para registrar o momento histórico.
E foi assim que
ele gravou, com uma câmera VHS simples, o trajeto que o corpo fez até o
cemitério.
Pequenino,
passava por entre as milhares de pessoas que lotavam as ruas de Exu, com a
câmera nas mãos.
As imagens, tremidas,
amadoras, são carregadas de emoção e de um profundo sentimento de reverência ao
artista.
A câmera que ele
usou faz parte do acervo.
"Foi
com aquela filmadora que está ali em cima, e é uma coisa que me vigia o tempo
todo. Eu, com 9 anos de idade, fiz esse registro, que me trouxe aquele espírito
de 'nordestinidade'. Eu vi o Nordeste, o Brasil estava ali dentro",
emociona-se.
NOSTALGIA HIGH TECHHoje, o
colecionador alimenta um site e a página do Facebook "Isto é forró" com peças e informações de seu museu privado.
Também presta
consultorias sobre o ídolo.
Além do filme de
Breno Silveira, ele colaborou com o Museu Cais do Sertão, em Recife, e com o
samba-enredo "O Dia em que Toda a
Realeza Desembarcou na Avenida para Coroar o Rei Luiz do Sertão", da
escola de Samba Unidos da Tijuca, campeã do carnaval carioca de 2012.
Agora, Paulo
Vanderley Tomaz da Silva acaba de lançar seu próprio trabalho sobre o ídolo.
"A
ideia de escrever um livro vinha 'azucrinando' meu juízo faz tempo. Até que um
dia, eu estava deitado em uma rede quando me deu um estalo: vou colocar o
próprio Seu Luiz pra contar a história dele."
Paulo mergulhou
no arquivo e recuperou entrevistas que Gonzaga deu em vida para rádios e TVs.
"Transcrevi
tudo e comecei a montar de forma cronológica", conta.
Durante o
projeto, recebeu ajuda até de Dominique Dreyfus, escritora francesa autora da
biografia "Vida de Viajante: A Saga
de Luiz Gonzaga", que disponibilizou para ele mais de 30 horas de
áudio gravadas em dois meses de entrevistas com o sanfoneiro.
O resultado,
"Luiz Gonzaga do Nascimento: 110
anos", reúne acontecimentos antigos com toques de tecnologia — para
ouvir as memórias do artista, o leitor aciona os QR Codes impressos nas
páginas.
Fãs podem ouvir
a própria voz de Gonzagão, além das músicas que marcaram as diferentes épocas
de sua vida e depoimentos de artistas como Elba Ramalho, Lenine, Fagner,
Bráulio Bessa e Tato do Falamansa.
"Estou
com o coração feliz e grato de ver esta obra se concretizando",
comemora o autor.
(Camila Mathias.
Do Uol)Fotos: Camila Mathias/UOL
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