O apresentador Fausto Silva, o Faustão,
entrou na fila de espera por um transplante de coração após seu quadro de insuficiência
cardíaca se agravar.
Aos 73 anos, ele está internado desde o
dia 5 de agosto no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Neste domingo, o
hospital informou que o apresentador passou pela cirurgia de transplante.
No boletim, a instituição afirmou que
Fausto Silva está na UTI e que o procedimento foi um sucesso.
"As próximas horas são importantes
para acompanhamento da adaptação do órgão e controle de rejeição",
afirma o hospital.
Além de Faustão, mais de 65 mil
brasileiros estão à espera por um transplante no país atualmente, segundo o
Ministério da Saúde.
Destes, cerca de 380 aguardam por um coração.
O Brasil tem uma das maiores filas do
mundo, mas também criou e mantém o maior sistema público de transplantes.
O país é o segundo que mais realiza esse
tipo de procedimento, atrás apenas dos Estados Unidos, que é privado.
Em 2022, foram quase 26 mil cirurgias de
transplante no Brasil, entre os quais 359 de coração.
As mais comuns foram de córnea (13,98
mil), rim (5,3 mil) e medula óssea (3,99 mil), segundo a Associação Brasileira
de Transplantes de Órgãos (ABTO).
O país tem ainda mais de 600 hospitais
autorizados a fazer transplantes.
Especialistas ouvidos pela BBC News
Brasil dizem que o sistema brasileiro é bastante completo e funciona bem,
servindo inclusive de modelo para outros países.
"O sistema de transplantes
brasileiros é reconhecido internacionalmente por ser inteiramente público e
oferecer serviços em um país gigantesco e muito povoado", diz
Alcindo Ferla, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
especialista em saúde pública.
"Além disso, também é reconhecido
pela qualidade técnica e das políticas públicas envolvidas."
Ainda assim, precisa de mais recursos
financeiros para se tornar mais eficiente e menos desigual, diz o médico
Leonardo Borges de Barros e Silva, coordenador da Organização de Procura de
Órgãos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (HCFMUSP).
"O processo de doação e
transplante no Brasil é excelente, especialmente quando comparado a outras
partes do Sistema Único de Saúde [SUS]. Mas, como todo o sistema, está
subfinanciado e há desigualdade", diz.
"A espera por um órgão pode variar
conforme o Estado do Brasil em que o paciente está. Os índices de doação também
variam muito entre as regiões do país."
Segundo os especialistas, o principal
gargalo para aumentar a eficiência está no momento da doação: muitas famílias
ainda hesitam em permitir a doação após o falecimento e nem sempre há equipes
hospitalares totalmente preparadas para lidar com o momento.
COMO
FUNCIONA O SISTEMA
O primeiro transplante no Brasil foi
realizado em 1968, mas o sistema brasileiro como conhecemos hoje só foi criado
muito depois, em 1997.
Ele foi inspirado, entre outros, no
modelo da Espanha, considerado um dos mais eficientes do mundo.
O atual sistema é regulamentado pela Lei
9.434 de 1997.
A norma estabelece, entre outras coisas,
a existência de dois tipos de doador: o vivo e o falecido.
No caso do doador vivo, podem ser
cedidos um dos rins, parte do fígado, parte dos pulmões ou parte da medula óssea.
Nestes casos, a legislação brasileira
permite que cônjuges e parentes de até quarto grau sejam doadores.
Para pessoas que não são parentes, a
doação só é possível com autorização judicial.
No caso de doador falecido, tecidos,
órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento só
podem ser retirados após o diagnóstico de morte cerebral e com autorização da
família.
Um doador falecido após morte cerebral
que não tenha sofrido parada cardiorrespiratória pode doar coração, bem como pulmões,
fígado, pâncreas, intestino, rins, córnea, vasos, pele, ossos e tendões.
Após a avaliação dos órgãos ou tecidos,
as comissões dos hospitais cadastram dados relativos às partes do corpo em um
programa informatizado que combina essas informações com os dados de possíveis
receptores.
Já os pacientes são separados de acordo
com o órgão que será transplantado, tipos sanguíneos e outras especificações
técnicas, como peso e altura.
Na hora de combinar o órgão com o
receptor, leva-se em conta a posição na lista única, mas também esses
critérios.
"Pacientes em estado crítico podem
ser atendidos com prioridade, em razão de sua condição clínica",
explica o Ministério da Saúde em nota.
Esse sistema computadorizado é de
responsabilidade do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) e gerenciado pela
Central de Transplantes de cada Estado.
Há também outras entidades envolvidas no
processo de identificação e distribuição dos órgãos, tais quais as Organizações
de Procura de Órgãos (OPO) e os Bancos de Órgãos e Tecidos.
Após identificado um receptor, o órgão é
enviado pela Central de Transplantes ao hospital onde está o paciente para que
seja implantado pela equipe transplantadora que acompanha a situação clínica.
Em geral, esses processos não levam mais
do que algumas horas e, apesar de na maioria das vezes o transporte ser
realizado por terra, em casos de mais urgência podem ser usados helicópteros ou
aviões.
Nesses casos, há colaboração da Força
Aérea ou de companhias aéreas privadas que possuem convênio com o governo para
transporte gratuito de equipes e órgãos em voos comerciais.
Um coração pode demorar no máximo quatro
horas para ser transplantado após a retirada do corpo do doador.
Em
contrapartida, um pulmão ou um fígado podem esperar até seis horas.
Como chefe da OPO do Hospital das
Clínicas, Leonardo Borges de Barros e Silva explica que há muitas etapas e
pequenos entraves no processo que muitas vezes não são de conhecimento público.
"A pessoa que se inscreveu há mais
tempo para transplante vai estar no começo da fila. Mas há outros critérios que
incidem no processo, como compatibilidade – no caso do rim se leva em
consideração questões imunológicas genéticas, por exemplo – tamanho, peso e
altura do doador e estado de saúde do receptor", diz.
"Se o primeiro da fila está com
covid, por exemplo, ele não poderá receber o órgão, e o sistema vai buscar o
próximo mais compatível."
Os órgãos geralmente são destinados a
receptores em uma mesma região, já que há pouco tempo para transporte.
Mas
Barros e Silva explica que, por vezes, há transporte entre Estados.
"Existem casos de priorização
nacional, determinados pelo sistema", diz.
"Mas também há casos de Estados
que não realizam alguns procedimentos, como transplante de coração, e a equipe
de outra região precisa ir até lá retirar o órgão e transportá-lo".
Para Alcindo Ferla, um dos maiores
trunfos do sistema brasileiro é sua transparência e justiça.
"Nenhum médico ou autoridade pode
decidir nada sozinho no processo, seja no momento da doação ou do transplante",
diz.
"E fatores como condições
econômicas tampouco importam, todos têm que esperar sua vez seguindo os mesmos
critérios".
Qualquer cidadão também pode acompanhar
a lista única de espera e ter acesso aos critérios de prioridade pelo site do
Sistema Nacional de Transplantes ou das secretarias estaduais de saúde.
(Por Julia Braun, da BBC News Brasil em
São Paulo)
Foto: Getty Images
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