O Senado iniciou nesta semana a discussão de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que gerou polêmica.
A PEC das Praias, como vem sendo chamada, passou a ser considerada como um mecanismo para privatizar as áreas à beira-mar, que pertencem à União.Também foi dito que a PEC regularizaria
todo o Complexo da Maré, conjunto de comunidades no Rio de Janeiro.
A polêmica cresceu ainda mais depois que
a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar trocaram farpas nas redes sociais por
causa da PEC.
O jogador de futebol anunciou parceria
com uma construtora para um condomínio na beira do mar.
O texto no Senado foi discutido numa
audiência pública.
Ainda está longe de ser analisado por
comissões e pelo plenário.
Depois da repercussão ruim do debate, o próprio
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), indicou que a matéria não está
entre as prioridades de votação.
VEJA O QUE O TEXTO DE FATO PREVÊ:
Venda
de áreas à beira-mar..
Como
é hoje:
As áreas à beira-mar de que trata a PEC
são chamadas de terrenos de marinha.
Correspondem a uma faixa que começa 33 metros
depois do ponto mais alto que a maré atinge.
Ou seja, esses terrenos não abrangem a
praia e o mar, região geralmente frequentada pelos banhistas. Essa parte
continuaria pública.
Os terrenos de marinha correspondem a
uma camada mais atrás da praia, onde ficam geralmente hotéis e bares.
Pela legislação atual, a União, dona dos
terrenos de marinha, pode permitir que pessoas e empresas usem e até transmitam
as terras aos seus herdeiros.
Mas, para isso, esses empreendimentos
têm que pagar impostos específicos.
Como
ficaria com a PEC
O texto discutido no Senado prevê a
autorização para a venda dos terrenos de marinha a empresas e pessoas que já
estejam ocupando a área.
Pelo projeto, os lotes deixariam de ser
compartilhados, entre o governo e quem os ocupa, e teriam apenas um dono, como
um hotel ou resort.
Conforme o texto, só permaneceriam com o
governo áreas ainda não ocupadas e locais onde são prestados serviços públicos,
como portos e aeroportos, por exemplo.
Isso
significa privatização?
A diretora de Oceano e Gestão Costeira
do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Paula Prates, explica que o projeto
abre brecha para "privatizar o acesso à praia, e não a praia
em si", já que a parte frequentada pelos banhistas continuaria com
a União.
Para a especialista, a proposta não
prevê a "privatização direta"
das praias, mas possibilita que uma empresa cerque o terreno e impeça a
passagem de banhistas na faixa de areia, como já é visto hoje em alguns
resorts.
"São áreas de restinga, mangues,
dunas, pedaços de praia mais para cima, entradas de rios. São locais que vivem
sob a influência da maré e têm ligação direta com o aumento do nível do mar.
Esses terrenos são a salvaguarda para a adaptação da mudança do clima",
disse Prates ao g1.
E
o Complexo da Maré?
O relator da proposta no Senado, Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), diz que o texto vai permitir a transferência de 8,3 mil
casas para moradores do Complexo da Maré e para quilombolas da Restinga de
Marambaia -- ilha também localizada no estado do Rio.
O senador pontua que haverá um aumento
da arrecadação de impostos pelo governo e da geração de empregos nas regiões.
"Olhem só o mundo de arrecadação
que tem para a União. Nas utilizações dos imóveis, tem aqui os valores
discriminados. Pessoa física: R$ 42 bilhões; pessoa jurídica: R$ 67 bilhões;
setor hoteleiro: R$1,7 bilhão; ramo imobiliário: quase R$24 bilhões. Imaginem,
se houvesse a cessão onerosa dessas propriedades, o quanto que a União não
arrecadaria com isso, muito mais", afirmou o parlamentar na
audiência pública.
CRÍTICAS
À PEC
Quem é contra, a exemplo do Painel Mar,
plataforma que reúne sociedade civil e entidades governamentais, argumenta não
fazer sentido vender lotes que podem "deixar
de existir no futuro" por causa do aumento do nível do mar.
Além disso, segundo o grupo de estudos,
a proteção dos mangues e restingas ajuda a enfrentar as mudanças climáticas,
pois essas áreas funcionam como uma barreira natural, que ameniza a gravidade
de situações como a vivida no Rio Grande do Sul, assolado pelas enchentes.
Se essas áreas forem vendidas para
empreendimentos privados, a tendência é aumentar a degradação ambiental.
E
isso, de acordo com a plataforma, vai fragilizar ainda mais comunidades
tradicionais que dependem do ecossistema marinho para sobreviver -- populações
caiçaras, quilombolas, ribeirinhas e povos indígenas.
O cientista Carlos Nobre, especializado
em aquecimento global, afirma que "se não controlarmos o efeito estufa, até o
final do século, o mar vai subir de 80 cm a 1 metro".
Para ele, ao invés da proposta, é
necessário um plano, a longo prazo, para retirada das comunidades ribeirinhas
dos terrenos de marinha, já que o aumento das marés e ressacas mais fortes são
inevitáveis.
"Completamente sem sentido tornar
propriedade privada quando, no final desse século, essas áreas serão mar",
disse.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI)
sustenta que "a gestão tradicional promovida pelas comunidades indígenas,
fundamentada em conhecimento sócio-tecno-ecológico profundo, resulta em
práticas de conservação sustentável que impedem a degradação ambiental, a
extinção de espécies e contribuem com a desaceleração das mudanças climáticas".
DEFESA
DO TEXTO
Além de Flávio Bolsonaro, quem também
defende o texto é o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que relatou o texto na
Câmara, onde a matéria já foi aprovada.
Segundo ele, o projeto vai fomentar
investimento em praias que se tornaram "verdadeiros cortiços no litoral
do Brasil" e criar empregos para milhares de pessoas.
"Não estamos oportunizando nenhum
negócio imobiliário a quem quer que seja, não estamos autorizando a privatização
de praia alguma. Absolutamente nada.", afirmou o deputado.
"Agora, pegue aí uma ilha como a
de Florianópolis, pegue as áreas portuárias que nós temos abandonadas,
verdadeiros cortiços no litoral do Brasil, sem nenhuma conservação, sem nada,
pontos absolutamente apodrecidos, destruídos, que poderiam ser áreas nobres das
cidades, agregar ao patrimônio das cidades, mas que estão fora, porque são
áreas de marinha. A SPU [Secretaria do Patrimônio da União] não tem dinheiro
para cuidar, não faz absolutamente nada, e elas ficam como verdadeiras
cicatrizes nas nossas cidades", argumentou o parlamentar
TERRENOS
À BEIRA-MAR
O Ministério da Gestão e Inovação (MGI)
informou que há 564 mil imóveis registrados em terreno de marinha.
O governo arrecadou, em 2023, R$ 1,1
bilhão com as taxas de foro e de ocupação.
A pasta estima que o valor poderia ser
cinco vezes maior, com um total de quase 3 milhões de construções nas áreas
próximas ao mar, mas que não foram oficializadas.
20% dos valores apurados são repassados
para os municípios.
A Secretaria do Patrimônio da União
(SPU) é responsável por gerir os terrenos.
O órgão promove a regularização
fundiária urbana de assentamentos irregulares.
"No ano de 2022 foram repassados
para municípios cerca de 120 milhões de reais. Embora a PEC em análise
determine que as áreas desocupadas permanecem na gestão da União, a
possibilidade de municípios poderem acessar mais áreas a partir da expansão de
perímetros urbanos, sem dúvida irá reduzir áreas disponíveis ao desenvolvimento
nacional. Isso demandará futuras desapropriações trazendo altos custos
indenizatórios para a União", explica o MGI.
(Por g1)
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