O secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Mario Sarrubbo, se reuniu com comandantes-gerais das Polícias Militares nesta quarta (16/10), em São Paulo, para discutir o decreto que o governo federal prepara para regular o uso da força pelas polícias de todo o país.
Os comandantes das PMs pediram mudanças
em tópico do texto que trata das buscas pessoais, conhecidas como
"enquadro" ou "baculejo".
As novas regras preveem que o policial
registre por escrito a identidade de cada pessoa revistada, os motivos para a
revista e o nível de força empregada.
Segundo os policiais, porém, esse
procedimento é inviável em situações de multidão — por exemplo, durante o
controle de membros de torcidas em estádios de futebol.
Também houve críticas pontuais à
exigência de que os "enquadros" se baseiem em "fundada
suspeita", e não apenas em percepções subjetivas dos policiais.
O texto proposto pelo ministério
especifica as situações que configuram "fundada suspeita" (veja
detalhes abaixo).
As mudanças pedidas pelos PMs serão
discutidas em um grupo de trabalho criado pelo Ministério da Justiça para
elaborar o texto, informou Sarrubbo ao g1.
A ideia é que o texto final esteja
pronto e seja enviado à Casa Civil em novembro.
O decreto tem o objetivo de atualizar
uma portaria sobre uso da força editada pelo Ministério da Justiça em 2010.
Ele traz diretrizes para as situações em
que os policiais devem empregar arma de fogo, para o planejamento de grandes
operações, como em favelas, para o uso de algemas e para abordagens e revistas
pessoais.
"O uso da força é sempre visto com
restrição por muitos profissionais da segurança pública na medida em que eles
avaliam um decreto regulamentador como algo que pode inibir a atuação do
policial lá na ponta", diz Sarrubbo.
"Não obstante alguma resistência,
nós entendemos que a regulamentação é necessária, na medida em que valoriza o
profissional da segurança pública, dando inclusive mais segurança para que ele
possa atuar nos momentos em que esteja numa operação, numa ação específica."
O comandante-geral da PM de São Paulo,
coronel Cássio Araújo de Freitas, que participou da reunião com Sarrubbo,
afirma que muitas das diretrizes já são cumpridas pelas polícias há anos,
incluindo a questão da "fundada suspeita" para a realização de
revistas pessoais.
"Nós estamos sendo ouvidos, os
pontos de vista estão sendo discutidos. O texto vai evoluir e vai ficar bom
para dar segurança jurídica ao policial que trabalha", afirma o
coronel.
DINHEIRO
PARA OS ESTADOS
As novas diretrizes não serão impostas
aos estados, que têm autonomia para administrar a segurança pública.
Os estados são responsáveis pelas
Polícias Militares, Civis e penais (que atuam em presídios).
Contudo, o decreto vai prever que os
governadores que quiserem recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do
Fundo Penitenciário Nacional "para ações que envolvam o uso da força"
– ou seja, para comprar armas, munição e instrumentos não-letais – terão que
seguir as regras federais.
O decreto servirá também para as guardas
civis municipais, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia
Penal Federal.
Ainda não há data para a publicação do
decreto, que deverá ser assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
ALGUNS
DOS PRINCIPAIS TRECHOS QUE CONSTAM DA MINUTA EM DISCUSSÃO NO MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA:
Emprego
de arma de fogo
Neste tema, os principais pontos da
portaria de 2010 devem ser mantidos.
Veja o detalhamento abaixo:
Quando
atirar
Como deve ficar: "O
emprego de arma de fogo constitui medida de último recurso."
Como é hoje: "Os agentes de segurança pública
não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima
defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave."
Pessoa
em fuga
Como deve ficar: Os policiais "não
deverão utilizar arma de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que
não represente risco imediato de morte ou de lesão aos profissionais de
segurança pública ou a terceiros".
Como é hoje: "Não é legítimo o uso de armas de
fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que, mesmo na posse de algum
tipo de arma, não represente risco imediato de morte ou de lesão grave aos
agentes de segurança pública ou terceiros."
Carro
que fura bloqueio
Como deve ficar: Os policiais "não
deverão utilizar arma de fogo contra veículo que desrespeite ordem de parada ou
bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte
ou lesão a terceiros ou aos próprios profissionais de segurança pública".
Como é hoje: "Não é legítimo o uso de armas de
fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser
que o ato represente um risco imediato de morte ou lesão grave aos agentes de
segurança pública ou terceiros."
Abordagem
Como deve ficar: Os policiais "não
deverão apontar arma de fogo em direção a pessoas durante os procedimentos de
abordagem como prática rotineira e indiscriminada".
Como é hoje: "O ato de apontar arma de fogo
contra pessoas durante os procedimentos de abordagem não deverá ser uma prática
rotineira e indiscriminada".
Gerenciamento
de crise (grandes operações)
Esse tópico foi incluído nas diretrizes
de uso da força para cumprir uma sentença de 2017 da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, que condenou o Brasil por violência policial no caso das
chacinas registradas na favela Nova Brasil, no Rio, em 1994 e 1995.
Como deve ficar: Os órgãos de segurança
pública deverão "planejar estrategicamente as operações",
"utilizar equipamentos de gravação audiovisual nas operações, sempre que
possível", e "documentar e justificar as ações e as decisões tomadas
durante as operações".
Como é hoje: Não há diretrizes na
portaria de 2010.
Busca
pessoal
As diretrizes relativas a esse tema
foram elaboradas para adaptar a prática policial a decisões recentes da
Justiça, como a de um habeas corpus julgado em 2022 pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ).
O tribunal decidiu que é ilegal a busca
pessoal ou veicular, sem mandado judicial, motivada somente pela impressão do policial
sobre a aparência ou a atitude do alvo.
Para ser legal, a busca — conhecida como
"enquadro" ou "baculejo" — precisa partir de uma
"fundada suspeita".
'Baculejo'
Como deve ficar: O policial deve:
"Informar à pessoa submetida à
busca as razões para a revista e seus direitos";
"Limitar ao mínimo necessário o
escalonamento da força durante a busca, de forma proporcional à resistência
apresentada pela pessoa"; e
"Registrar a identidade da pessoa,
as razões para a realização da busca pessoal e o nível de força empregada".
Como é hoje: Não há diretrizes na
portaria de 2010.
'Fundada
suspeita'
Como deve ficar: "A
fundada suspeita é uma situação caracterizada por indícios especificamente
relacionados a: posse de armas e posse de outros objetos que possam constituir
corpo de delito."
O texto diz também que "não
são considerados como elementos suficientes para caracterizar fundada suspeita
parâmetros unicamente subjetivos ou não demonstráveis de maneira clara".
Como é hoje: Não há diretrizes na
portaria de 2010.
Uso
de algemas
As diretrizes sobre algemas, que não
existiam na portaria de 2010, foram criadas para ajustar a norma a leis e
decretos recentes e também a uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal
(STF).
Como deve ficar: O uso de algemas deve
ser "excepcional" e apenas em casos em que haja "resistência
à ordem legal", "fundado receio de fuga do preso"
e "perigo à integridade física própria ou alheia".
Como é hoje: Não há diretrizes na
portaria de 2010.
(Do g1)
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