Após seis anos e meio das execuções de Marielle Franco e Anderson Gomes, os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram julgados e condenados.
Lessa, que atirou contra a vereadora e
seu motorista, pegou pena de 78 anos de prisão, 9 meses de reclusão e 30
dias de multa.
Já Queiroz, que dirigiu o veículo no dia
do crime, recebeu sentença de 59 anos de prisão, 8 meses de reclusão e 10
dias de multa.
Eles foram condenados por todos os
crimes dos quais foram acusados.
Além disso, os dois foram condenados a
pagar uma pensão mensal para o filho de Anderson Gomes, Arthur, de 7 anos, até
ele completar 24 anos.
Eles também deverão pagar, juntos, “706
mil reais” de indenização por dano moral a cada uma das vítimas: Arthur, Ágatha
[viúva de Anderson], Luyara [filha de Marielle], Mônica [viúva de Marielle] e
Marinete [mãe de Marielle].
A prisão preventiva de ambos foi mantida
e eles arcarão com as custas do processo, sem o direito de recorrer em
liberdade.
A sessão, promovida no 4º Tribunal do
Júri da Justiça do Rio de Janeiro, começou às 10h30 da quarta-feira (30/10) e
seguiu até 23h50.
A ideia era que o julgamento fosse
finalizado no mesmo dia, mas, após cerca de 13 horas de duração, a sessão foi
suspensa e retomada nesta manhã.
No total, foram mais de 18 horas de
julgamento.
Lessa e Queiroz foram presos em 2019, um
ano após o crime, e participaram do julgamento por videoconferência da cadeia
onde estão presos.
Lessa está no Complexo Penitenciário de
Tremembé, no interior de São Paulo, e Queiroz, no Complexo da Papuda, em
Brasília.
COMO
FOI O JULGAMENTO?...
Na manhã de quarta-feira, dezenas de
pessoas começaram a se reunir em frente ao Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro com lenços amarelos, cartazes e girassóis, símbolo da campanha de
Marielle para vereadora do Rio de Janeiro durante a eleição municipal de
2016.
"Marielle, justiça", "Anderson,
justiça", e "Seremos
resistência", gritaram os participantes durante o ato.
Eles também
questionaram: "Quantos mais têm que
morrer para essa guerra acabar?".
O protesto continuou até a viúva de
Anderson, Agata Arnaus, os pais e a filha de Marielle, e sua irmã, a ministra
da Igualdade Racial, Anielle Franco, entrarem no tribunal.
O julgamento começou com o depoimento
das testemunhas de acusação.
A principal foi Fernanda Chaves, então
assessora da parlamentar, que estava no carro no momento do assassinato.
Ela foi a única sobrevivente do
atentado.
Durante o depoimento, Fernanda contou em
detalhes como foi o momento do ataque e o que fez para se proteger.
“A Marielle estava imóvel. Senti o braço dela
por cima de mim, o peso do corpo dela sobre mim. Eu estava sem cinto, por isso
consegui me abaixar atrás do banco. Eu percebi que o carro estava em movimento,
eu via um pouco de luz entrando pelas janelas, que estavam estouradas, e então
fiz o carro parar", relembrou.
Além dela, falaram, na ordem:
• Marinete da Silva, mãe de Marielle
• Monica Benício, viúva de Marielle
• Ágatha Arnaus Reis, viúva de Anderson
• Carlos Alberto Paúra Júnior, agente da
Polícia Civil do Rio
• Luismar Cortelettili, agente da
Polícia Civil do Rio
•Também estava cotada para depor a
perita criminal Carolina Rodrigues Linhares, mas ela não compareceu ao júri
popular.
Por isso, foi exibido um vídeo com a
oitiva da testemunha durante a fase de investigação inicial do caso.
Por parte da defesa, testemunharam pela
parte de Ronnie Lessa o agente federal Marcelo Pasqualetti e o delegado da
Polícia Civil Guilhermo Catramby.
A defesa de Queiroz desistiu dos
depoimentos das testemunhas que havia requerido anteriormente.
Depois disso, Ronnie Lessa e Élcio
Queiroz foram interrogados separadamente.
Eles assumiram, mais uma vez, o envolvimento
nos assassinatos.
O interrogatório de Lessa durou cerca de
duas horas.
Ele chegou a pedir desculpas às famílias
de Marielle, de Anderson e à sua própria pelas execuções.
Queiroz foi ouvido durante outras duas
horas e chegou a dizer que entrou no “trabalho” (o assassinato de Marielle)
apenas no dia do crime.
O julgamento foi suspenso no fim da
noite de quarta-feira e retomado na manhã desta quinta, por volta das 9h30.
A sessão começou com a fala da promotora
Audrey Castro que afirmou que "não iria se acovardar" quando
foi chamada para estar à frente do caso.
Em 2021, outras promotoras deixaram a
investigação caso.
Em seguida, ela passou a palavra para o
promotor Fábio Vieira, que por sua vez disse que crime foi motivado por
'ideologia'.
"Esse processo mostra, a gente vê
o que é a potência dessa mulher. Ela não é essa beleza, essa potência, porque
escolheu a esquerda. Porque se ela tivesse escolhido a direita, ela também
seria uma beleza. É uma mulher que acredita. [...] Independente da ideologia,
eu tenho que fazer o certo. É isso é que é Marielle, o Anderson e a Fernanda
fizeram. Foram pessoas que escolheram fazer o certo", em uma
tentativa de desassociar a parlamentar da esquerda.
Depois, ele questionou arrependimento de
Queiroz e Lessa, durante o interrogatório que ocorreu na quarta.
“Que arrependimento é esse que se pede algo
em troca? Os senhores já pediram arrependimento para alguém, falando, 'eu quero
o seu perdão se me der algo em troca?', porque é isso que eles fizeram. Eles
são réus colaboradores. Foi isso que vieram fazer”, declarou.
Vieira ressaltou que, até fechar a
delação premiada, ambos diziam que não conheciam Marielle e Anderson ou até que
não estavam no carro usado para a prática do crime no dia dos fatos.
O Ministério Público também abriu as
pesquisas feitas pelo ex-policial antes do assassinato.
Os documentos dão que ele buscou
rastreador de veículos, 'acessórios' para uma submetralhadora HK MP5, a mesma
usada no crime, como silenciador e adaptador.
O ex-PM ainda buscou como 'desincronizar
a conta de e-mail' de seu navegador para tentar apagar rastro da
pesquisa.
O relatório do MP também aponta que
entre os dias 17 de abril de 2017 a 20 de fevereiro de 2018, Lessa utilizou o
Google para fazer diversas pesquisas relacionadas ao então deputado Marcelo
Freixo (PSOL), o partido dele e sua ex-esposa.
A partir de 20 de fevereiro daquele ano,
a busca foi feita por familiares e também pela identificação da filha do
parlamentar.
No dia da prisão, conforme Vieira, em 12
de março de 2019, Lessa tinha R$ 60 em espécie no carro, além de passaporte e
contador de notas.
Além dos promotores, também tiveram uma
hora para dar suas considerações os defensores públicos, que estavam como
assistente de acusação, Daniele Silva e Fábio Amado.
“Mexeu com as estruturas”, disse
Daniele ao afirmar que Marielle foi morta violentamente com quatro tiros na
cabeça.
Ela ainda ressaltou o medo que toda mãe
negra tem do filho sofrer alguma violência.
"É isso que toda mãe preta faz
quando sai para trabalhar, de madrugada, ela beija a testa do filho, como se
estivesse benzendo o seu corpo. Marinete não vai ter mais ninguém para benzer o
corpo".
E encerrou sua fala com "Marielle
presente, hoje e sempre".
Apesar das provas apresentadas pelo
Ministério Público, pedindo a pena máxima aos réus, a defesa dos dois tentou
reverter.
Enquanto o advogado de Lessa, Saulo
Carvalho, declarou que a Polícia só chegou aos mandantes do assassinato "graças" a delação premiada de
Lessa, senão “nunca teriam chegado",
a defensora de Queiroz, Ana Paula de Araújo Fonseca Cordeiro, imputou ao
atirador a maior responsabilidade, pois seu cliente não teria planejado o
assassinato.
"A defesa reconhece a gravidade
dos crimes que o Élcio praticou, mas o que a gente busca é que ele seja
responsabilizado de acordo com a sua culpabilidade. A divergência da acusação e
da defesa não é contra os fatos, mas da imputação aos fatos",
disse a advogada.
Ana Paula alegou que Élcio enfrentou
dificuldades financeiras após ser expulso da polícia, mas que “era um trabalhador normal” e valorizava
sua família.
RELEMBRE
AS MORTES
A vereadora Marielle Franco e o
motorista dela, Anderson Gomes, foram mortos a tiros em uma noite de
quarta-feira, em 14 de março de 2018, no centro do Rio de Janeiro.
Marielle tinha saído de uma reunião com
mulheres negras na Lapa e voltava de carro para a sua casa, no bairro da
Tijuca, na zona norte da cidade.
Além dela e do motorista, também estava no
veículo a assessora parlamentar da vereadora, Fernanda Chaves.
Nas imediações da Praça da Bandeira, na
Rua Joaquim Palhares, um Chevrolet Cobalt prata emparelhou à direita do veículo
onde estava Marielle. Em delação e também no julgamento, o ex-policial militar
Ronnie Lessa confessou que disparou contra Marielle.
O carro prata era dirigido pelo ex-PM
Élcio Queiroz, que também assumiu que teve participação no atentado.
A vereadora foi atingida por três tiros
na cabeça e um no pescoço; Gomes foi alvejado três vezes nas costas.
Os dois morreram no local.
A assessora de Marielle foi ferida por
estilhaços.
INVESTIGAÇÕES
Lessa e Queiroz foram presos um ano após
o crime, em março de 2019, pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, apontados como
autores dos disparos e motorista do carro usado no crime, respectivamente.
Nos anos seguintes, pouco se avançou em
direção à motivação e aos possíveis mandantes do duplo homicídio.
Por conta disso, em fevereiro de 2023, o
Ministério da Justiça e Segurança Pública determinou a abertura de um inquérito
da Polícia Federal para investigar o assassinato de Marielle e de Anderson
Gomes.
Em março deste ano, Lessa fez um acordo
de delação premiada, que resultou nas prisões do deputado federal Chiquinho
Brazão e do conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Domingos Brazão, suspeitos
de serem os mandantes, e do delegado Rivaldo Barbosa, que chefiou a Polícia
Civil do Rio e teria atuado para proteger os irmãos.
As defesas negam envolvimento deles no
crime.
Segundo a investigação da PF, há evidências
de obstrução criminal às investigações, originadas dentro da própria Delegacia
de Homicídios do Rio de Janeiro.
O inquérito aponta que a investigação
foi sabotada desde o começo, “mediante ajuste prévio dos autores
intelectuais com o então responsável pela apuração de todos os homicídios
ocorridos no Rio de Janeiro”, o delegado e ex-chefe de Polícia Civil do
Rio Rivaldo Barbosa.
(Fonte: Redação Terra)
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